quinta-feira, 28 de agosto de 2008

My, My, How Can I Resist You?


Peço antecipadamente perdão a ambos os dois leitores deste blogue. Acabo de ver o Mamma Mia, o primeiro filme da história do cinema filmado inteiramente em MDMA e com filtro de anfetaminas. Entrei em casa aos saltinhos, e enquanto fazia o jantar com uma coreografia improvisada ao som de todas as músicas dos Abba de que me conseguia lembrar, ia partindo várias peças de louça. Como um blogue não se parte, pelo menos em teoria, achei que era mais seguro vir escrever até o efeito do filme passar. Mas desculpem desde já qualquer excessivo entusiasmo.
O que é que eu ia a dizer...? ah, a Madonna. Tem a ver com o filme, a sério, já lá chegamos. E não, não é por causa do sampler do "Gimme Gimme Gimme" no "Hung Up".
Porque é que era a Madonna...? Era por causa do... Ah, já sei.
Como não se consegue passear pelas ruas de Lisboa sem ver várias t-shirts de "madonna @ 50", nem ter uma conversa civilizada sem passar pelo tópico de o que se vai estar a fazer no dia 14, nem aceder a qualquer media sem se ser exposto aos músculos das coxas e dos antebraços da rainha da pop, ocorreu-me, há dias, espontaneamente: a Madonna parece velha.
Quando pensei isto, respondi-me imediatamente: bom, velha, velha não diria, desculpe discordar de si, minha cara, mas não diria exactamente velha. Talvez um pouco gasta... talvez o figurino já não jogue tanto a favor dela.  Sim, é verdade que o cabelo parece mais deslavado que spaghetti cozinhado por alemães e as maçãs do rosto estejam mais salientes que os olhos de um cartoon assustado, mas daí a dizer que parece velha...
Concordei comigo mesma: é verdade, aos 50 ninguém é velha. Só mesmo, como diria Helena Rubinstein, uma mulher muito preguiçosa poderia estar "velha" aos 50, nestes dias de pilates e botox. Ora, se a Madonna tem 50, pensámos ambas as interlocutoras deste monólogo, vamos ver um termo de referência... A Rommy Schneider que idade tinha para o fim da carreira? Uns 50 e picos? Sei que a Sofia Loren tem 70 e sem dúvida que, para a maioria dos seres vivos, ainda marchava. A Meryl Streep, por exemplo, que idade terá?
(Tem 59. Obrigada, Google)
E é aqui que entra o Mamma Mia. Não é que fosse preciso ver este filme para saber que a Meryl Streep ainda é eminentemente apetecível, como uma coca-cola geladinha numa manhã de ressaca ou uma maça verde fresquinha depois de um passeio campestre num dia de Verão. Desde Sofia até Miranda Priestley, basta ver qualquer papel que ela fez para perceber que se trata não só de uma mulher "bonita", como, sobretudo, de uma mulher "bonita, caramba!". É uma mulher bonita com ênfase. É bonita a bold e em itálico. Porque é que nunca me tinha ocorrido pensar, por exemplo, que a Meryl Streep fosse velha?
Bom, certamente ajuda o facto de ela não estar na "crista" da moda, na vanguarda de todos os trends. Como disse a Nancy Mitford, uma senhora usa sempre a moda de há dois ou três anos; só as starletts e as criadas é que usam o que usa este ano. E é claro que a atitude também não permite muitas comparações. Quando a Meryl Streep quer provocar síncopes cardíacas, levanta uma sobrancelha ou vira ligeiramente o rosto, enquanto que a Madonna abre as pernas em frente a um espelho, vestida com um maillot rosa choque, ou enfia a língua pela garganta da Britney Spears abaixo. Quando se faz isso, é mais difícil esconder a idade.
Não, não era só uma questão de atitude. Porque é que a Meryl Streep parece mais fresca a fazer um esgar, a baixar os óculos, a ajeitar a écharpe, do que a Madonna até, digamos, na capa da Vogue?
Subitamente ocorreu-nos, a ambas as duas interlocutoras deste monólogo: porque a Madonna parece velha, mas a Meryl Streep, tal como a Sofia Loren ou a Romy Schneider no fim da carreira, é velha. Não me entendam mal. Digo "velha" no mesmo sentido que digo "gorda", por exemplo, ou seja: descartando quaisquer preconceitos sociais de uma cultura dominada pela perfeição física. Sempre defendi que, se "magra" não é um elogio (e não creio que o seja, necessariamente, é só um qualificativo), "gorda" não é um insulto. O mesmo se aplica a "nova/velha". Para efeitos retóricos, concordemos que, por exemplo, a America Ferrara e a Sara Ramirez, com os seus certamente mais de 54 quilinhos (o peso excato delas já não vem no Google...), são "gordas"; assim, aos 59 anos, a Meryl Streep é "velha". Mas alguém no seu juízo perfeito evocaria o facto de ter de se levantar cedo para trabalhar se uma destas senhoras convidasse para "subir e tomar um copo"?
A Madonna parece velha porque tenta parecer outra coisa. A Meryl Streep é velha. Sabe a idade que tem, aceita-a e vive de acordo com isso. Por isso, parece infindavelmente nova e fresca. Só lhe faltam as gotas de orvalho para parecer uma flor em botão.
(Eu avisei. É efeito do filme...)
Isto faz-me lembrar uma resposta que a Dolly Parton deu, quando alguém lhe perguntou se ela se incomodava com anedotas de louras burras: "Não me incomodam, porque sei que não sou burra e sei que não sou loura."
E embrulha!

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

It's just what WOULD Happen


Há dias, estava a arrumar umas coisas antes de sair de casa e tinha a televisão ligada na Oprah. Há quem ouça música de fundo, há quem cante no chuveiro, eu gosto de ouvir a Oprah de fundo. Mas, neste dia, ela tinha um convidado a fazer uma palestra, Aliás, uma lição. Com powerpoint, o que é logo um excelente começo. Enquanto confirmava se tinha as chaves de casa e se o telefone tinha bateria e se a janela estava fechada, ouvi este tipo exultar as vantagens de viver a vida em cheio, em pleno, com um sorriso no rosto e um sol no céu, fazendo limonada quando a vida nos dá limões, e vivendo cada dia como se fosse o último.
Fiz uma pausa quando o ouvi dizer: «Vivam como se fossem morrer amanhã. A sério. Sei do que estou a falar: tenho cancro e estou a morrer.»
O meu karma entrou em saldo negativo quando pensei: «Not fast enough, you're not!»
Numa tentativa de fazer uns depósitos de bom karma na minha conta astral, decidi ouvir mais um pouco. Este tipo chama-se Randy Pausch, é autor do agora best-seller A última lição, está a morrer e decidiu partilhar com o mundo aquilo que aprendeu. 
Por alguma razão, o facto de ele estar a morrer enervou-me mais ainda. Era como se ele estivesse a derivar autoridade do seu iminente esticanço de pernil. Um erro grave de retórica: se não se pode acabar cada frase de um debate com «seu porco nojento» (argumento ad hominem), tão pouco se pode acabar cada frase com «e vê lá que eu tenho cancro e estou quase lá na Terra da Verdade» (argumento ad mortem?). É como uma extensão daquele desconforto politicamente correcto que nos leva a ser excessivamente deferenciais para com os deficientes e ajudar velhinhas e cegos a atravessar a estrada, quer queiram quer não.
Talvez seja uma questão de educação. Fui criada numa família onde dizer lapalisses era mais grave que lamber o prato, ser condescendente era mais grave que tirar macacos do nariz, e raciocínios espúrios eram mais graves que palavrões. 
Quando vi o Sr. Quase-Morte anunciar que tínhamos de decidir se na vida queríamos ser um Tigger ou um Eeyore, ou seja, umas personalidades solarengas e sempre sorridentes ou uns depressivos pessimistas em constante violação da lei da atracção, que percebi que o Banco Central do Karma me ia saldar a dívida.
As lapalisses, como o Sol, são para todos. Cada um pode ser mais pindérico que Píndaro à sua vontade. Mas, caramba: peguem n' O Alquimista! Peguem n'O Princepezinho! Afoguem-se com Kahlil Gibran! Só lhes peço que não usem A. A. Milne para ilustrar filosofia de algibeira.
O Ursinho Puff, como é conhecido cá o imortal Winnie the Pooh, é uma das mais sábias e ricas personagens da literatura ocidental. Peguem num livro de A. A. Milne se não tiverem paciência para ler o cânone da literatura e filosofia ocidentais ou não tiverem tempo para se inscrever em aulas de meditação. O resultado é mais ou menos o mesmo, mas bem mais divertido.
Entre os amigos de Pooh contam-se um tigre hiperactivo e possivelmente cocainómano (Tigger), um intelectual que não sabe escrever (Owl), um coelho arrivista que tem milhares de familiares que tenta desesperadamente esconder (Rabbit) e um delicioso neurótico - Eeyore. É um jerico que vive na parte mais escura da floresta, tem um casebre a cair de podre, come urtigas e domina na perfeição a arte de fazer toda a gente (e animais) sentir-se embaraçada e pouco à-vontade, apenas por exprimir a sua profunda neurose. É uma relíquia dos tempos pré-Prozac, em que ser depressivo era uma competência social e um direito. Eyore é uma espécie de Oscar Wilde passivo-agressivo e é uma lição viva de humor. Estas são algumas das suas pérolas:

The old gray donkey, Eeyore stood by himself in a thistly corner of the Forest, his front feet well apart, his head on one side, and thought about things. 
Sometimes he thought sadly to himself, "Why?" and sometimes he thought, "Wherefore?" and sometimes he thought, "Inasmuch as which?" and sometimes he didn't quite know what he was thinking about.

You don't always want to be miserable on my birthday, do you?

Everybody crowds around so in this Forest.
There's no Space.
I never saw a more spreading lot of animals
in my life, and in all the wrong places.

No Give and Take. No Exchange of Thought. It gets you
nowhere, particularly if the other person's tail is only just in
sight for the second half of the conversation.

After all, what are birthdays? Here today and gone tomorrow.


One can't complain. I have my friends. 
Someone spoke to me only yesterday.

“Why, what's the matter?" "Nothing Pooh Bear, nothing. We can't all, and some of us don't. That's all there is to it" "Can't all what?" said Pooh, rubbing his nose. "Gaiety. Song-and-dance. Here we go round the mulberry bush." "Oh!" said Pooh. He thought for a long time, and then asked, "What mulberry bush is that?" "Bon-hommy," went on Eeyore gloomily. "French word for meaning bonhommy," he explained. "I'm not complaining, but There It Is.

Eeyore, the old grey Donkey, stood by the side of the stream, and looked at himself in the water. "Pathetic," he said. "That's what it is. Pathetic."

Eeyore é uma lembrança viva e jerica da natureza complexa da felicidade. Vivemos numa sociedade que tenta industrializar o bem-estar: temos fórmulas, receitas e instrumentos para sermos felizes e realizados e, como a oferta cria consumo, sentimo-nos na obrigação de os pôr em prática. Há um livro engraçadíssimo a respeito, Against Happiness, de Eric Wilson, que aconselho vivamente. Nele, o autor salienta as virtudes da melancolia como contrapeso à obsessão pela felicidade. 

Vou contrariar um moribundo: não temos de escolher entre ser Tiggers ou Eeyores. Todos temos algo de tigre saltitão e de jerico melancólico. Todas as emoções cumprem uma função, e querer viver numa constante euforia e passar os dias com um sorriso estampado no rosto só resulta numa coisa: dores de cabeça e de músculos faciais. Jeanette Winterson escreveu uma vez que a tristeza é homeopática. É um bom princípio: se arde, lá há-de curar. 
Mesmo que não fique bem em powerpoint.