quarta-feira, 27 de outubro de 2010

It's Alive!









Olá, ambos os leitores deste blogue! Tive saudades!


Nestes longos meses de ausência, aprendi que:


  • Arubaito significa «trabalho», em japonês, e vem do alemão «Arbeit».
  • Os leões albinos não estão extinção, são só raros.

  • A crocslite, o material de que são feitos os crocs, é resistente aos dentinhos afiados dos leões bebés.

  • As bolas de berlim em Berlim não se chamam bolas de berlim, a massa é mais cozida e menos doce, são cobertas de açucar em pó e têm recheio de geleia.

  • A Catalunha quer a independência e cada bairro de Barcelona quer a independência (não sei se querem ser província ou estado autónomo).

  • A Vanity Fair espanhola é por vezes melhor que a americana e tem sempre artigos sobre as regiões autónomas.

  • A Vogue portuguesa tem piada.

  • A Colorama dura o dobro da Risquée, é mais cremosa e tem nomes poéticos como «chiclete» e «garota de Verão» (digno de Vinicius, vai!).

  • Os botins à gladiador podem também ser chamados «equestres» (Balhnik dixit).

  • Muitos adolescentes não vêem os Simpsons.

  • Nem o Family Guy nem o American Dad.

  • South Park, então...

  • Estranhamente, vêem o How I Met Your Mother, o que prova indiscutivelmente que o mundo está perdido.

  • O Santini do Chiado está sempre cheio. O de Cascais também. O de São João do Estoril, menos.

  • A Kate McGarrigle morreu o ano passado.

  • É menos embaraçoso do que se pensa chorar sozinha num concerto, sobretudo quando o Rufus diz que adora estar em Lisboa e a última vez que esteve cá foi com a mãe e que tinham ido ver o padrão dos descobrimentos e aquele mosaico das caravelas e que agora foi triste voltar porque a mãe tinha partido na sua própria viagem.

  • Quando se está nervoso antes de entrar em palco, um calicezito de vinho do Porto é o melhor.

  • O Facebook cansa um bocado e não é nada user-friendly. Mal por mal, mais vale um blog.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Duas Situações Entram Num Bar...


Como talvez saberão ambos os dois leitores deste blogue, a empresa onde trabalho passou recentemente a funcionar em regime de horário flexível. Esse dramático acontecimento tem tido efeitos pantagruélicos (também não sei) na novela que é a minha vida, mas dois dos efeitos conjugaram-se hoje de forma curiosa:
1- tenho menos tempo para escrever no blogue;
2 - ouço muito mais rádio no carro.
Que é o que se chama dar uma grande volta para dizer que hoje ouvi uma coisa no programa do Alvim e lembrei-me de vir escrever no blogue.
Ora hoje o entrevistado do Alvim era o em todos os sentidos da palavra e apetece dizer literalmente mítico editor da & etc., Vítor Silva Tavares. Vale a pena irem buscar o podcast disto porque o homem tem umas belas histórias para contar.
 
Estava eu a ouvi-las, deliciada, e a sentir-me nostálgica por um mundo editorial que nunca conheci e temo nunca vir a conhecer, quando puseram no ar um ouvinte.
Digo já à partida que era um ouvinte muito bem intencionado. O contexto era, em geral, o da decadência dos hábitos de leitura. Diz então o ouvinte que concorda, que é uma pena, e que precisamente tinha acabado de vir de uma escola onde tinha estado a, e passo a citar, dinamizar uma iniciativa. 
Ainda entretive a esperança de que o senhor fosse traficante de droga ou scout de uma agência de modelos, mas não, era mesmo uma iniciativa (que requeria dinamização externa, aparentemente, mais ou menos como uma peça do Ikea) destinada a motivar os petizes a ler.
O Vítor Silva Tavares disse qualquer coisa como "pois" e eu entretanto desliguei porque, 1), tinha chegado ao ginásio e 2) tinha a cabeça a rodopiar de revolta.
Como saberão os dois ambos leitores deste blogue, enquanto todos os adolescentes incautos da minha geração fugitivos da matemática hesitavam entre Psicologia, Letras ou Direito, eu escolhi fazer a voltinha com mais paisagem que vai dar ao desemprego, também conhecida como curso de Filosofia. E há uma coisa que para as gentes de Filosofia é como kriptonite para o Superhomem, queijo de cabra estragado para as pessoas alérgicas a lactose ou a voz da Manuela Moura Guedes para o resto da humanidade, são os conceitos vagos. Nós somos, apesar do que parece, gente muito literal. Autenticidade é autenticidade. Boa fé é boa fé. A Vontade Nietzscheana é a Vontade Nietzscheana, não é a vontade de ir à casa de banho. A Ideia platónica é a Ideia platónica, não é a ideia de ir ao cinema em vez de ficar em casa. A Categoria aristotélica é a Categoria aristotélica, não é a categoria de um jogador. As palavras significam coisas. E aquilo que nos faz felizes, como a um gatinho com um novelo de lã, é ligar palavras e coisas. Somos uma gente simples, nós os estudantes de Filosofia. O que nos faz entrar em curto-circuito são palavras que não significam nada. Vagarias. Vazios. Deturpações do próprio conceito de sentido. Anti-palavras. Sopros de ar sem finalidade melódica ou lógica. Palavras como "situação", "modo", "complicado", e outros eufemismos espremidos de qualquer sentido. E quando uma frase é composta quase exclusivamente dessas vagarias - vide, "dinamizar uma iniciativa" - ... bom, dá-nos uma coisinha má.
A verdade é que não se pode estudar Filosofia sem um certo pendor para aquilo a que antigamente se chamava "palha" e agora possivelmente se chama "extensão sinonímica do sujeito". Um exemplo belíssimo disso era aquele cartoon delicioso do Independente, a Filosofia de Ponta. Afinal, não se pode fazer 7000 anos de reflexão acerca de tudo o que existe, porque, como e com que finalidade existe, sem incorrer em alguma verborreia. Mas regra geral a tendência para discorrer extensivamente sem finalidade aparente era visto com uma relativa tolerância, mais ou menos como quando se faz batota nos abdominais e se puxa com as costas (vim do ginásio).
Foi só quando cheguei à fase dantesca do curso, o estágio pedagógico, que percebi, mais ou menos como um protagonista de um filme de acção quando se apercebe da verdadeira extensão do plano de domínio do mundo do vilão, que isto da "palha" era na verdade todo um palheiro.
Quando começamos a trabalhar numa coisa a que se chamava "plano de aula", disseram-nos que íamos definir as aulas segundo materiais, conteúdos e objectivos. Mas conteúdos e objectivos numa aula não são a mesma coisa, pensei ingenuamente? O diálogo foi mais ou menos assim:
Orientadora: Então que objectivos definiriam para esta unidade lectiva dedicada à Ética?
Eu (para mim mesma): Nestas cinco aulas sobre Kant? (em voz alta): Ahn, ensinar o imperativo categórico?
Teria, aparentemente, sido mais aceitável que tivesse sugerido transformar a sala de aula numa masmorra e depois convidar pedófilos sádicos a castrar ritualmente os alunos que tinha a meu cuidado. "Ensinar", explicou-me a minha orientadora, era uma forma de violência ideológica, psicológica e social. "Ensinar" significava impor conteúdos à mente passiva do aluno. Se eu achava que a carreira no ensino passava por "ensinar", estava a reduzir o aluno a uma nulidade ontológica, ética, social, política e pessoal. Estava a privar o aluno da sua voz, da sua personalidade, da sua identidade. Estava a escravizá-lo num sistema ideológico e político que perpetuava o mito da passividade do aluno e da dinâmica imperialista do saber. Estava, ao que parece, um passo abaixo de Hitler. Um passo muito pequeno.
Deixei escapar um pequeno: "ah mas..." antes  de a orientadora passar a libertar-me das correntes de fascismo ideológico a que 4 anos de "aprendizagem" (pois, é sempre assim, os abusadores começam por ser vítimas) me tinham prometaicamente agrilhoado. A finalidade do ensino, explicou-me ela, a sua vocação suprema, o dom que tem a prestar à humanidade, é deixar, ou melhor, criar as condições que potenciem que, o aluno descubra por si os conteúdos. 
Refreei-me de apontar, que sendo neste caso o conteúdo o imperativo categórico, era pouco provável que o aluno o encontrassse atrás do sofá, mas devo ter feito uma expressão pouco persuadida, porque a orientadora passou então a evocar aquela arma irredutível da Filosofia que é a Alegoria da Caverna: "o mundo das Ideias tem de ser descoberto, não pode ser mostrado."
Uma vez mais, refreei-me de apontar que estávamos em Massamá, e não numa caverna, embora à primeira vista houvesse semelhanças, e reparei para mim mesma: "então em vez de dizer "ensinar", tem de se fazer palha".
Numa demonstração assustadora da verdade das teorias platónicas, os meus colegas de estágio tinham chegado à mesma conclusão, como verificámos num interlúdio digno do Memnon tido no café da esquina:
"então aqui na coluna dos objectivos em vez de ensinar tem de se escrever outros verbos".
Foi um ano de descoberta sinonímica: em vez de ensinar, veiculámos, transmitimos e revelámos. Deixámos observar, permitimos descobrir e incentivámos à visualização. Quando nos sentíamos um bocadinho mais ditatoriais, fazíamos notar. Mas, pela minha parte, nunca cometi esse crime contra a humanidade que era ensinar, o que se fez notar no desempenho uniformemente medíocre dos meus pobres alunos. Que até eram uns putos porreiros, mas que nunca aprenderam Filosofia. Tendo em conta que eram de Artes, não lhes fez falta nenhuma, e há tempos encontrei um aí pela vida e estava a dar-se muito bem, feliz que nem um cão (no sentido grego tardio do termo).
Pode parecer tautológio, mas é literalmente verdade que há muito, muito mais a dizer acerca da "palha" e da sua proliferação nas nossas vidas. Mas, para citar Epicuro, o micro-ondas apitou e agora vou jantar.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Diz que Chove Sempre em Lisboa


Há tempos ouvi - não sei se num livro, na televisão, num filme, no autocarro ou na conversa embriagada de dois desconhecidos -- que era um exercício interessante registar os primeiros pensamentos que se tem de manhã (ou não necessariamente de manhã), logo ao acordar, antes de se despertar completamente. 
O que pensei hoje ao acordar foi algo como o "e strano" da Traviatta. Acordei ao som de um cão a ladrar e com a luz cinzenta de um dia de chuva a entrar pela janela. Nada de invulgar, mas achei curioso que num país como Portugal, conhecido pelo "sea-sun-and-sand" e pelos maus-tratos a animais, chova tanto e se ouçam tantos cães a ladrar. É um daqueles jeitos de Portugal que são os estrangeiros que tanta vezes mais apanham. Por exemplo, nunca tinha reparado no quanto venta neste país até o ver mencionado como marca saudosa do país numa peça escrita por uma ex-pat americana .
Em sequência quase imediata lembrei-me dos títulos de dois livros. Sempre Llums a Lisboa, um romance de uma catalã, de que conheço apenas o título e a cativante capa (que é a rua do, ai, aquela que sobe dali quem vem da baixa e sobe para o largo das belas artes, ai, aquela que é muito íngreme e passa um eléctrico - que indicação tão precisa, não é? Bom, já vejo). Acho piada à paixão irresistível, como uma atracção quase astronómica, que os catalães têm por Lisboa. Os catalães são como traças e Lisboa um candeeiro. Eles são como coelhinhos e Lisboa uma pick-up de máximos ligados. O que é simpático, porque gosto muito de catalães e acho que é mais ou menos como um bom gin, nunca se tem demais em casa.
O título do outro livro é parecido e é quase uma expressão idiomática na minha vida: Era Lisboa e Chovia. O que eu invejo a simplicidade e elegância desta frase. O little black dress dos títulos. 
O que me fez lembrar uma coisa que já pensei muitas vezes: do privilégio que é crescer rodeado de livros. A mera presença física de livros tem uma influência pervasiva numa pessoa, mais ou menos como amianto tipográfico que, por uma osmose simples e não rareficada, faz entrar coisas bonitas e interessantes na cabeça das pessoas. No mínimo, ao estar rodeado de livros pode ser-se absolutamente superficial e parecer muito informado, até erudito, mas sempre interessante. Os livros são um acessório que faz pandan com tudo, sobretudo num país de comportamentos tão uniformes como Portugal, um país dominado por best-sellers onde, a dada altura, ume percentagem considerável da população está seguramente a ler um dos livros do top 5. Estar perto de livros permite-nos pelo menos parecer bem e ter algum tema de conversa - mesmo que não se faça ideia que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar, se alguém encontrou o símbolo perdido, se Caim sempre matou Abel, o que é que ela fez no dia em que o esqueceu, ou seja lá o que for que o Rodrigues dos Santos escreveu desta vez.
E mesmo que não seja só para impressionar, deambular por uma estante de livros é uma dasflaneries mais engraçadas que se pode fazer. Naqueles ramos de lombadas encontra-se muitas vezes uma poesia involuntária criada pelo pot-pourri de títulos, texturas e cores. Sobretudo em estado mais ou menos selvagem - livros aos molhos, aos baldes, à mão-cheia, às pilhas em escadas como nalguns alfarrabistas, ou escondidos em segunda fila numa estante, deitados por cima dos outros, ou ainda em carrinhos, como na foto (courtesy de MB) - pode surgir uma espécie de saborosa sopa de letras: rumo ao farol o longo adeus à sombra das jovens em flor o vasto mar de sargaço a mais longa viagem cruzada sem cruz como um ladrão na noite. E isto sem os abrir e sem fazer ideia de quem os escreveu ou qual é a história que contam.
Porque depois, quando se abre aquela porta... à frente de uma estante de livros, somos todos Alice naquele átrio ao fundo da toca do coelho, rodeada de portas e chaves e bolos mágicos. Algumas das pessoas que melhor conheci numa existiram fora do espaço entre capas e às vezes dou por mim a tentar lembrar-me de onde vi determinada coisa, e não foi, como pensava, a caminho do trabalho, mas no final do capítulo 17. 
Esta capacidade mágica que os livros têm de nos fazer perder no seu mundo foi a primeira indicação que tive de que os objectos podem ser mais do que aquilo que são, ou significar mais do que aquilo que indicam. Ou, dito de outra forma, que há portas em todo o lado. Os livros são portas, mas quem já ouviu um arquitecto falar incasavelmente sobre a importância de um arco ou um designer rodear, absorto, um candeeiro de cantos improváveis, ou um estudante de filosofia a fazer desenhos na areia para tentar perceber o pardoxo de Russell, sabe que pode haver portas em todo o lado. São infinitas as maneiras de ver o mundo, ainda que o mundo seja finito. E, para os dias de chuva que sempre parecem acontecer em Lisboa, haverá algo mais divertido do que isso?

sábado, 12 de dezembro de 2009

Há dias estive num lançamento que teve lugar algures entre 1945 e 1968.  Era o lançamento de um livro de gestão - de marketing, para ser mais precisa - por isso eu não ia propriamente à espera de Proust. Ainda assim fiquei algo sobressaltada ao ver a livraria cheia de "fatos" (embora nenhum fosse acima de Zara, e não garanto que debaixo de alguns não estivessem camisas de manga curta). A moda masculina é um mundo que não domino de todo, e tenho de admitir que compreendo perfeitamente os homens heterossexuais quando os meus amigos homossexuais me mostram duas camisas aparentemente exactamente iguais e me perguntam: "então, qual fica melhor?" Mas sei que, não podendo (geralmente) recorrer a sapatos, carteiras, pulseiras, anéis, brincos, clutches, botins, pregadeiras, chapéus, botas de salto, bóinas, ou pumps (isto tudo só para poder citar: "for God's sake, Patsy, even Amanda de bloody Cadenet could think of the word accessories"), deve ser inimaginavelmente mais difícil para os homens ficarem bonitos. Por isso mesmo, imagino que a escolha de camisas, gravatas e sapatos, para não falar do fato propriamente dito, seja determinante. O que torna ainda mais incompreensível a decisão consciente e deliberada de usar aquelas camisas brancas de... lycra, será?, sabem quais são, aquelas quasi-semi-transparentes com riscas tracejadas. Camisas do Lidl, chamemos-lhe. Sou fã da cadeia alemã, têm queijos e iogurtes e oh por amor de tudo o que é santo aproveitem agora para comprar os deliciosos doces de Natal que eles fazem - mas não comprem lá camisas. As pessoas que usam camisas do Lidl (ou do Continente, ou do Minipreço ou, o que neste contexto vai dar mais ou menos ao mesmo, da Zara) justificam-se normalmente citando a famosa história de Einstein só ter um modelo de roupa - tinha o armário cheio de um modelo da mesma roupa, para não perder tempo a decidir o que vestir. Faz sentido - para Einstein. Mas a não ser que a pessoa vá descobrir a Relatividade, não tem desculpa para vestir um fato de segunda.
Pela longa digressão pelo tema da moda masculina, os leitores deste site já terão ambos adivinhado que este lançamento (ah poir era, era o tema deste post!) não me deixou muito feliz. Voltemos à narrativa do mesmo:
Por entre uma selva de terilene e poliéster, com um constante burburinho de "Oh sôtor, como está sotôr, oh meu amigo, como está meu caro" a entontecer-me os ouvidos, fui falar com o autor e o apresentador do livro. Ambos gestores de topo, responsáveis por centenas de postos de trabalho e milhões de euros de investimentos. O tempo destes homens vale muito dinheiro. E passaram cerca de 15 minutos desse valioso tempo a discutir como, quando e onde cada um se sentava.
Não era neurocirurgia. Não era Física Quântica. Nem sequer era calcular o PIB. Era só decidir quantas cadeiras teriam de ser retiradas, sendo que os apresentadores eram 4 e o número de cadeiras presentemente colocadas era de 7. I kid you not.
Após algum tempo de assistir à ponderação do problema, percebi que tinha simplificado a questão. Havia de facto 7 cadeiras, mas apenas 3 delas eram cadeirões (sofás, poltronas, maples, coisas almofadadas, vá), sendo as restantes cadeiras desdobráveis. A questão era, portanto, a quem se deveria dar a primazia de se sentar nas cadeiras mais confortáveis. E que dificuldades poderia isso levantas a nível da gestão de egos e da engenharia de hierarquias. Eles estava a ponto de abrir o excel para fazer um spreadsheet disto quando eu fiz uso dos anos e anos de National Geographic aos Domingos de manhã: detectei um ligeirissimo traço de medo/ fraqueza/ fragilidade da parte do autor e ataquei: "Como não há mais cadeirões, o X (o autor) vai ter de se sentar numa das desdobráveis, sim?" (Formular uma ordem como uma pergunta é uma arma de persuasão muito eficaz: exemplo, o caso de Aníbal quando disse aos seus soldados: "E se fossemos subindo para os elefantes,. ok? Assim podíamos, sei lá, atravessar os Alpes, não era?"). 
Debateram a questão mais cinco minutos. Enquanto o faziam, eu própria debatia-me com a questão de tentar determinar quão difícil poderia ser, para dois MBAs, um deles de Harvard, dois profissionais com anos de experiência em várias empresas Forbes 500 (ou Forbes 1000, pelo menos), dois homens aparentemente capazes de navegar o feroz oceano da liderança de todo, quão difícil seria, pensava eu, para dois líderes de excelência como estes, simplesmente deixar a gravidade agir sobre os seus rabos? 
Finalmente, sentaram-se. Lição de vida: a gravidade acaba sempre por ganhar. Não garanto que não tenha sido a Mae West a dizer isto. Ou foi o Larry Flint?
Passado algum tempo tinhamos quatro gestores sentados, um público ansioso por ouví-los, um retroprojector a funcionar e só estavamos meia-hora atrasados. Ouro sobre azul.
A apresentação em si começou com o chorrilho de chavões que se espera de um gestor a fazer um discurso. Há alguns anos atrás, ainda os contava e organizava em categorias (chavões genéricos, como a repetição desnecessária da palavra "excelência", ou mais específicos, como o neo-anglicismo: "estratégia de visualizing", "competência de spotfinding", etc).


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Gripe Aaaargh


T menos 72 horas.
Sábado, 5 de Dezembro, 13:45, Monte Estoril, café: Peço um café e uma fatia de tarte de lima. A minha mãe, contrariando um hábito de 50 anos, pede um chá. Pergunto se se sente bem e ela responde que tem estado um pouco agoniada, facto que atribui a uma açorda de marisco.
21:00, em casa: recebo um telefonema da minha mãe a dizer que teve febre, foi à CUF e a mandaram fazer o teste da gripe A. Esta informação é FYI only.

T menos 24 horas.
Segunda-feira, 7 de Dezembro, 20:00, em casa: ao contrário de todas as previsões, de ausência de febre, dores musculares, alucinações psicadélicas ou qualquer outro sintoma que não seja uma ligeira indisposição potencialmente atribuível a uma açorda, confirma-se o diagnóstico da minha mãe: é gripe A. Receitam Tamaflu, antibióticos e repouso. E avisar as pessoas com quem tem estado em contacto frequente.

Ground Zero.
Terça-feira, 8 de Dezembro, 13:15, centro de atendimento permanente da CUF. Entro na sala de espera. Vários rostos meio-tapados por máscaras viram-se na minha direcção. Refilo "oh por amor de deus" um décibel mais alto que o necessário e falo com a recepcionista. Segue transcrição aproximada do diálogo.
"Boa tarde, queria fazer o teste da gripe A".
"O teste tem de ser prescrito por um médico".
"Ah, é que a minha mãe foi diagnosticada com a gripe ontem e como tenho estado em contacto com ela achei melhor fazer o teste."
"Hoje só temos um médico de serviço, isto está um bocadinho demorado."
Tenho pensamentos pouco caridosos acerca da pessoa de José de Mello e pergunto:
"Mas posso marcar uma consulta, ou esperar?"
"É por ordem de chegada e estão, ora deixa cá ver, um dois, três... sete pessoas à frente. Quer fazer a inscrição?"
"Sim, se faz favor."
Silêncio embaraçoso.
"E onde está a paciente?"
"Sou eu."
"Ah, pensei que era para a sua mãe."
Volto a insultar a memória de José de Mello, deixo os meus dados e vou sentar-me o mais longe possível dos mascarados. Que, de qualquer maneira, estão a olhar fixamente para um ecrã gigante que só transmite a SIC Notícias. Sem som.
13:30: Ponho os phones, ligo o walkman na Europa-Lisboa e saco da Vanity Fair. Já a li, mas guardei a peça sobre o Avedon e a década de 60 para um dia de chuva. Este é o dia de chuva.
13:45: Noto, com uma ponta de inquietação, que ainda não foi chamada uma única pessoa. Começo a fazer um cálculo aproximado do tempo que pode demorar e uma lista de sítios por perto aonde posso ir para matar tempo. Há um único sítio, e a grande atracção é ter uma loja de crocs e outra da Occitane en Provence. Pouco apelativo.
13:55: O artigo sobre Avedon refere um fotógrafo alemão que o influenciou, um tal August Sander. Faltam 3 páginas do artigo. Lembro-me que o meu telemóvel tem acesso à net e faço uma pesquisa por imagens de August Sander. Pelo que consigo ver em dimensões microscópicas, parece interessante.
14:30: Passa um rapaz de braço ao peito. Está naquela fase da puberdade em que ainda faz coisas de criança, como chorar baixinho por se ter magoado. Sinto uma pena tremenda do rapazinho que possivelmente acabou de partir o braço. O pai anda à volta dele, a pegar no casaco e a voltar a pousá-lo, claramente à procura de alguma coisa que fazer para ajudar o filho. É uma cena comovente.  Por volta das 15:40 esta família vai voltar a passar pela sala de espera, altura em que a minha compaixão se terá transformado num desejo irreprimível de partir um braço a cada restante membro da família.
14:35: O artigo do Avedon chega ao fim. Re-folheio o resto da revista. Este mês era particularmente boa e não me sobra nada para ler, a não ser as peças sobre compras, jóias, perfumes, sapatos, trinkets, etc, destinadas a ser precisamente folheadas e não lidas. Volto a perguntar a mim mesma se aqueles chocolates em forma de cães poderão ser encomendados desde os EUA, se terão retrievers de pêlo raso, e se valerão os US$ 28,00. Depois aplico mais ou menos as mesmas perguntas à coluna em forma de balão da Sony. Fantasiar com uma nova aparelhagem ocupa-me os restantes minutos das 14:00.
15:00: Também trouxe um livro, ou o que é que acham? Começo a ler. Cada frase tem de ser lida e relida devido a uma séria dificuldade em concentrar-me.
15:20: Reparo que algumas pessoas vão sendo chamadas e pergunto-me se será coincidência ou paranóia ou apenas uma distorção auditiva que todas tenham nomes muito, muito parecidos com o meu.
15:40: Ocorre-me que o teste da gripe A não é coberto pelo meu seguro e vou ter de pagar mais ou menos o equivalente a 15 maços de cigarros. Começo a ponderar opções potenciais: o centro de saúde está fechado, e de qualquer maneira o tempo de espera lá é o dobro. E esse é o tempo de espera para se poder ficar à espera: vai-se de manhã, espera-se para tirar uma senha, volta-se à tarde, espera-se para ver o médico. Às vezes acabam as senhas. Invejo Cuba.
15:45: A minha criança interior ameaça atirar-se ao chão interior e fazer uma birra interior por estar à seca há tanto tempo. Levanto-me e vou até à recepção. O recepcionista diz que tenho duas pessoas à frente. A criança interior acalma-se.
16:15: Sou chamada. Entro num cubículo onde me espera uma médica muito, muito queque. E que parece um bocadinho, mas só um bocadinho, a rainha Sofia. Explico-lhe a situação, fazendo algumas pausas para me lembrar da situação, porque duas horas de espera transformaram-me o cérebro em gelatina. A médica usa mais interjeições ("ufff", "aiii", "oh, isso então...") do que substantivos ou verbos. É uma comunicação algo truncada e temos um momento um pouco irmão Marx quando ela me pede que me deite na marquise quando o que quer dizer é que quer que me sente na marquise. "Ponha-se aí" tem a sua ambiguidade, concordarão.
16:25: A médica sabe duas coisas: 1), que o pin da Borboletas na Barriga que eu tenho ao peito é muito querido; 2) que eu devo fazer o teste da gripe A e não devo ir trabalhar até ter os resultados. 
16:27: Levam-me para uma sala de espera, vazia, para esperar pela técnica que me virá fazer o teste. A enfermeira que me conduz até à sala dá-me uma máscara. Não a visto. A enfermeira aconselha-me a vestí-la. Segue uma transcrição aproximada do diálogo.
"Mas estou sozinha aqui na sala." (pergunto-me a mim mesma: estarei? será que esta sala está cheia de fantasmas e é normalmente usada para testar capacidades mediúnicas?)
"Sim, mas é por causa dos profissionais de saúde."
"Então, quando eles (eles?) entrarem, ponho a máscara."
Deixo cair a máscara para trás da marquise assim que a enfermeira sai. Aconchego-me na mesma (marquise, não enfermeira) a ler o resto do livro que comecei na outra sala de espera.
16:47: Chega a técnica. Espeta-me um pauzinho, estilo lápis de manicure, nas amígdalas. Espeta outro pauzinho na minha narina direita, o que de faz imensas cócegas. Não consigo parar de rir enquanto agradeço à técnica e ela me informa que os resultados devem chegar no dia seguinte.
16:57: Depois de perguntar a alguns profissionais de saúde transeuntes se preciso de voltar a falar com a médica, se tenho de entregar alguns papéis a alguém ou se me posso ir embora (enquanto a minha criança interior me acusa de ser má mãe), volto ao cubículo da médica. Ela receita-me paracetamol e anti-inflamatórios (para fins lúdicos, aparentemente) e garante-me que já teve pacientes com tantas dores musculares que tinham de tomar "imensos" analgésicos. Assalta-me a suspeita de que a médica está na verdade a falar ao telefone, por auricular, e que nada do que disse até agora era de facto dirigido a mim.
16:58: a médica pergunta quando é que chegam os resultados. A cortina está meio aberta e entretanto aproxima-se do cubículo um outro profissional de saúde transeunte. Segue-se uma bizarra coreografia de mal-entendidos e quase-entendidos, que tentarei reproduzir.
Médica - Quando é que tem os resultados?
Eu - A técnica disse que chegavam amanhã.
Profissional de Saúde Transeunte - O quê, amanhã?
Eu - Sim, foi o que me pareceu que disse a sua colega.
Médica - Pareceu? Mas então não lhe perguntou?
Eu - Sim, ela disse...
Profissional, etc - Mas está mal, olhe que isto demora entre 24 e 48 horas, não é assim, não sei quem é que lhe disse isso mas...
Médica - Mas afinal o que é que se passa? Mas afinal quanto tempo é que leva? Mas final quem é que fez o teste?
Profissional, etc - Não deviam dizer às pessoas que é 24 horas quando pode demorar mais.
Eu - Se calhar eu é que ouvi mal...
Médica - Mas ouviu mal?
Profissional - Afinal, quando é que chegam os resultados do seu teste?
Por volta desta altura começo a balbuciar coisas sem nexo num tom ligeiramente agressivo, como uma testemunha incompetente num drama de tribunal de segunda categoria.
17:00 (aproximadamente): Saio do cubículo.
17:01: Pago na recepção e confirmo se têm o meu telemóvel para me ligarem com os resultados.
17:05: O recepcionista acaba de imprimir e carimbar todas as vias de todos os recibos.


Epílogo:
Não tenho gripe A. A minha mãe está melhor. 




segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Referendum my shiny culturally sensitive ass


Hoje de manhã ouvi uma notícia sobre minaretes.
Fiquei radiante. Sabem há quanto tempo, oh ambos os leitores deste blogue, é que espero por uma manchete, um soundbite, uma frasesinha de abertura de noticiário que contenha a palavra "minarete"? A brejeirice, como a flora intestinal, é muitas vezes descuidada, mas é igualmente indispensável para o bem-estar e a circulação geral das coisas. Ao ouvir a palavra "minarete" na rádio, tive a mesma sensação que tenho quando vejo benecol nas prateleiras do supermercado: bom, aqui estiquei-me um bocado na metáfora, mas vá, fiquei contente e a segunda-feira de ponte chuvosa  ficou um bocadinho mais soalheira ao pensar na quantidade de brejeirices que ia poder dizer ao longo do dia. 
Infelizmente, a notícia era bem mais nauseabunda do que imaginava, e não daquela forma agradável que algumas piadas de revista têm de quase nos fazer perder o almoço. 
Parece que os suíços, esse povo reservado, neutro e sem exército, conhecido mais pela sua banca discreta, as suas vacas púrpuras e os seus relógios descartáveis, têm um lado menos agradável. Não é que dois partidos de extrema-direita suíços propuseram levar a referendo público a proposta de proibir a construção de minaretes em mesquitas, na Suíça?
Se isto fosse uma revista, como ainda esperei que fosse - e que a exímia jornalista estivesse só a fazer um set-up particularmente longo para um punch-line um pouco obtuso - agora começava a tocar a banda e o cómico saía do palco a dançar, ou então desatava tudo a cantar o fado. Mas não era revista, era realidade.
Não é o que referendo foi para a frente?
E não é que os suíços - e sim, posso generalizar, porque foram 57%, contem-nos, cinquenta a sete por cento, deles - votaram pela proibição dos minaretes?
Sim, admito que aqui ainda ouvi um vago eco da Marina Mota a gritar, naquele stage whisper que ela tem que se ouve do Parque Mayer ao Campo Pequeno: "Pois, quem se lixa são as suíças!", seguido de um figurante de - sim, claro - suiças a dizer algo como "quais, estas?", mas não chegou.
Ah proibir a (caramba, isto não está fácil, mas é o verbo certo!) erecção de partes de edifícios de culto, é? Ah negar a liberdade de culto? Ah descriminar contra uma minoria religiosa? Ele é isso? Ah, tá bem, tá bonito. 
Como não sei o suficiente sobre a Suíça para os insultar de forma simultaneamente divertida e instrutiva, passei à segunda parte da questão: mas agora um referendo é a casa da mãe Joana? Entra lá quem quer, é? Referenda-se tudo? A consulta popular não é um quizz do Facebook, minha gente!  Isto não é o levanta-a-mão-se-preferes-pepsi, meus amigos. Como é que é sequer constitucional levar-se a referendo uma sugestão que é essencialmente anti-democrática? 
Se calhar estamos mesmo numa revista e eu é que estou distraída. Espero que sim.
E, pela enésima vez nos últimos oito anos, dei graças a Alah por não ser muçulmana. E pedi-Lhe desculpa por qualquer coisinha.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Uma Aventura no Ministério


A Isabel Alçada é ministra da educação, já viram? Estou chocada - e não só por ser das primeiras vezes que ouço o nome da Isabel Alçada sem ser precedido das palavras «de Ana Maria Magalhães e...». Não estão cheios de vontade agora de ter a Alice Vieira como ministra da cultura? E o Vasco Granja como ministro do trabalho e da solidariedade social? E o Quino como ministro da economia? E a Enyd Blyton como ministra do ambiente e do ordenamento do terrítório?


É a vantagem de se ter sido puto em meados dos anos 80 em Portugal, havia destes anacronismos.