sábado, 12 de dezembro de 2009

Há dias estive num lançamento que teve lugar algures entre 1945 e 1968.  Era o lançamento de um livro de gestão - de marketing, para ser mais precisa - por isso eu não ia propriamente à espera de Proust. Ainda assim fiquei algo sobressaltada ao ver a livraria cheia de "fatos" (embora nenhum fosse acima de Zara, e não garanto que debaixo de alguns não estivessem camisas de manga curta). A moda masculina é um mundo que não domino de todo, e tenho de admitir que compreendo perfeitamente os homens heterossexuais quando os meus amigos homossexuais me mostram duas camisas aparentemente exactamente iguais e me perguntam: "então, qual fica melhor?" Mas sei que, não podendo (geralmente) recorrer a sapatos, carteiras, pulseiras, anéis, brincos, clutches, botins, pregadeiras, chapéus, botas de salto, bóinas, ou pumps (isto tudo só para poder citar: "for God's sake, Patsy, even Amanda de bloody Cadenet could think of the word accessories"), deve ser inimaginavelmente mais difícil para os homens ficarem bonitos. Por isso mesmo, imagino que a escolha de camisas, gravatas e sapatos, para não falar do fato propriamente dito, seja determinante. O que torna ainda mais incompreensível a decisão consciente e deliberada de usar aquelas camisas brancas de... lycra, será?, sabem quais são, aquelas quasi-semi-transparentes com riscas tracejadas. Camisas do Lidl, chamemos-lhe. Sou fã da cadeia alemã, têm queijos e iogurtes e oh por amor de tudo o que é santo aproveitem agora para comprar os deliciosos doces de Natal que eles fazem - mas não comprem lá camisas. As pessoas que usam camisas do Lidl (ou do Continente, ou do Minipreço ou, o que neste contexto vai dar mais ou menos ao mesmo, da Zara) justificam-se normalmente citando a famosa história de Einstein só ter um modelo de roupa - tinha o armário cheio de um modelo da mesma roupa, para não perder tempo a decidir o que vestir. Faz sentido - para Einstein. Mas a não ser que a pessoa vá descobrir a Relatividade, não tem desculpa para vestir um fato de segunda.
Pela longa digressão pelo tema da moda masculina, os leitores deste site já terão ambos adivinhado que este lançamento (ah poir era, era o tema deste post!) não me deixou muito feliz. Voltemos à narrativa do mesmo:
Por entre uma selva de terilene e poliéster, com um constante burburinho de "Oh sôtor, como está sotôr, oh meu amigo, como está meu caro" a entontecer-me os ouvidos, fui falar com o autor e o apresentador do livro. Ambos gestores de topo, responsáveis por centenas de postos de trabalho e milhões de euros de investimentos. O tempo destes homens vale muito dinheiro. E passaram cerca de 15 minutos desse valioso tempo a discutir como, quando e onde cada um se sentava.
Não era neurocirurgia. Não era Física Quântica. Nem sequer era calcular o PIB. Era só decidir quantas cadeiras teriam de ser retiradas, sendo que os apresentadores eram 4 e o número de cadeiras presentemente colocadas era de 7. I kid you not.
Após algum tempo de assistir à ponderação do problema, percebi que tinha simplificado a questão. Havia de facto 7 cadeiras, mas apenas 3 delas eram cadeirões (sofás, poltronas, maples, coisas almofadadas, vá), sendo as restantes cadeiras desdobráveis. A questão era, portanto, a quem se deveria dar a primazia de se sentar nas cadeiras mais confortáveis. E que dificuldades poderia isso levantas a nível da gestão de egos e da engenharia de hierarquias. Eles estava a ponto de abrir o excel para fazer um spreadsheet disto quando eu fiz uso dos anos e anos de National Geographic aos Domingos de manhã: detectei um ligeirissimo traço de medo/ fraqueza/ fragilidade da parte do autor e ataquei: "Como não há mais cadeirões, o X (o autor) vai ter de se sentar numa das desdobráveis, sim?" (Formular uma ordem como uma pergunta é uma arma de persuasão muito eficaz: exemplo, o caso de Aníbal quando disse aos seus soldados: "E se fossemos subindo para os elefantes,. ok? Assim podíamos, sei lá, atravessar os Alpes, não era?"). 
Debateram a questão mais cinco minutos. Enquanto o faziam, eu própria debatia-me com a questão de tentar determinar quão difícil poderia ser, para dois MBAs, um deles de Harvard, dois profissionais com anos de experiência em várias empresas Forbes 500 (ou Forbes 1000, pelo menos), dois homens aparentemente capazes de navegar o feroz oceano da liderança de todo, quão difícil seria, pensava eu, para dois líderes de excelência como estes, simplesmente deixar a gravidade agir sobre os seus rabos? 
Finalmente, sentaram-se. Lição de vida: a gravidade acaba sempre por ganhar. Não garanto que não tenha sido a Mae West a dizer isto. Ou foi o Larry Flint?
Passado algum tempo tinhamos quatro gestores sentados, um público ansioso por ouví-los, um retroprojector a funcionar e só estavamos meia-hora atrasados. Ouro sobre azul.
A apresentação em si começou com o chorrilho de chavões que se espera de um gestor a fazer um discurso. Há alguns anos atrás, ainda os contava e organizava em categorias (chavões genéricos, como a repetição desnecessária da palavra "excelência", ou mais específicos, como o neo-anglicismo: "estratégia de visualizing", "competência de spotfinding", etc).


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