segunda-feira, 22 de junho de 2009

Mais Marley, menos Prozac


Para assinalar a catrefada de tempo que eu deixei passar sem escrever neste blogue, vou ser extemporânea.
Há dias vi o filme Marley e Eu (não, não foi em DVD, foi mesmo em cinema; vão ao dicionário ver "extemporânea"). Gosto muito do Owen Wilson, não suporto a Jennifer Aniston, mas adoro cães. A última vez que tinha visto a Jeniffer Aniston foi numa repetição do Friends, que não consigo achar piada nem fazendo-me cócegas com uma pena. Mas a última vez que vi o Owen Wilson antes do Marley foi no brilhante Darjeeling Express, cheio de ligaduras, pensos e conflitos interiores muito bem expressos num understatement de representação mais que louvável. E antes disso, numas fotos desfocadas do senhor a sair do hospital depois de uma tentativa de suicídio (ou, como os agentes de imprensa lhe chamam, "acidentes com gás num fogão eléctrico" ou "desventuras a fazer a barba nos pulsos"). O que serviu bastante para pôr o filme em contexto.
As coisas nem sempre parecem o que são e raramente são o que parecem. A imagem certa no contexto certo com a intenção certa pode ter um resultado tão trágico e infeliz como um soufflé que se deixou cozer demais. A comédia nem sempre tem os resultados cómicos desejados. O Will. E Coyote de certeza que acreditava, com todo o coração, que se pisasse aquele X no chão ou pusesse a pata na catapulta, não lhe acontecia nada, tal como não acontecera ao pápa-léguas segundos antes. Mas é preciso ter um coração de pedra para ver aquele focinho a descair sob a sombra da bigorna prestes a cair-lhe em cima e não ficar um pouco comovido. Um palhaço numa festa de anos de crianças é uma coisa muito divertida, até que reconhecemos o palhaço como o nosso orientador de tese de mestrado e nos lembramos que ele costumava ter as mãos a tremer quando dava aulas antes das 10 da manhã.  (Não, isto não é baseado num caso real... acho eu.) Isto para dizer que Marley e Eu é um dos filmes mais trágicos que já vi. Tão trágico que nem sequer chorei.
Talvez seja por causa do ar ainda totalmente despido de esperança no sentido da vida de Owen Wilson (ele às vezes tem ares da Vivien Leigh depois do Eléctrico Chamado Desejo. Passei grande parte do filme à espera que ele dissesse que sempre dependeu da bondade dos estranhos). Talvez seja por a Jeniffer Aniston manter, durante uma hora e meia, uma expressão mais cansada que um soldado americano a fazer a enésima ronda pelo mercado ao ar livre de Bagdade. Talvez seja por o cão morrer no fim e eu no fundo ser uma criança que nunca percebeu muito bem a necessidade narrativa de os cães morrerem no fim. Mas oh céus, que filme tão triste.
Owen Wilson é John Grogan um jornalista admitidamente medíocre que arranja um emprego a escrever crónicas sobre a vida local (um trabalho que ele despreza mas ainda assim considera acima das suas capacidades). É casado com uma mulher que o suporta menos mal e faz um suspiro profundo antes de lhe dizer seja o que for, incluindo "bom dia", e que é claramente mais dotada profissionalmente do que ele, mas que deixa de trabalhar assim que nasce o primeiro filho -- e ela não se importa nada com isso, a sério, é melhor assim, deixa estar ("suspiro"). O melhor -- e, ao que parece, único -- amigo é um repórter correspondente que passa metade do tempo em viagem e a outra metade a engatar raparigas bonitas, tonificadas e dispostas a tudo, e ainda arranja tempo para tomar café com ele e perguntar: "conta-me lá outra vez como é bom estar casado?". Os vizinhos, só os conhece quando um deles é assaltado à porta de casa e isso faz com que se decidam mudar para uma zona ainda mais queque, cara e isolada. 
Por isso, ele compra um cão. A razão oficial do cão é servir de "treino" para terem filhos. Mas, para quem sabe encontrar subtextos e tem alguma formação em psicanálise e/ou mitologia grega, o cão é uma compensação para um complexo de Peter Pan mal resolvido, um cheirinho de hedonismo pagão numa vida apertada em constrições cristãs, um pouco de eros numa existência completamente afogada em tanathos. Prova conclusiva disso? O cão caga onde quer.
Tenho admitir que sou uma dog person. Adoro cães. São fofos, leais, amantíssimos, engraçados, fofos, companheiros, honestos, fofos e atentos protectores. Mas como boa inimiga da ma fé, procuro sempre os potenciais motivos ocultos das coisas, e tenho de admitir: os cães são a perfeita compensação dos espíritos selvagens restritos pelas circunstâncias. A Emily Dickinson tinha um cão. A Elizabeth Barrett  Browning tinha um cão, cuja biografia foi escrita por Virginia Woolf, que também tinha um cão. A Emily Bronte tinha um cão. A Margarida Rebelo Pinto, por exemplo, não tem cães. Estão a ver onde quero chegar?
O que é que se faz com os cães? Passear e brincar. As duas actividades mais sãs e mais ansiadas pelo ser humano. Só que, ao contrário dos seus amigos bípedes, os cães estão-se, muitas vezes literalmente, a cagar: rosnam a quem não gostam, lambem as mãos a quem gostam, cheiram, pisam, esfregam-se e comem o que bem lhes apetece (quando o conseguem apanhar), correm atrás do que querem, saltam para onde querem, e raramente andam em linha recta. A natureza, dizia Hundertwasser, não tem linhas rectas. O coração humano tão-pouco, mas muitas vezes vivemos vidas desenhadas à régua.
Ok, antes que eu comece a falar como um instrutor de Ioga; estava a tentar ilustrar o papel do Marley na vida daquele jornalista frustrado, marido mal-amado, pai pouco capaz e escritor só por acidente famoso, John Grogan. Um dos fios narrativos do filme é (haha, trocadilho) a trela do cão. O Marley, como sabem todos aqueles que se dão ao trabalho de ler subtítulos, é o pior cão do mundo. Porta-se - de todas as maneiras possíveis - mal. Por isso, anda sempre de trela (vão passear para uma praia de cães mas se um cão se portar mal na praia é expulso dela) -- que passa grande parte do filme a partir para correr atrás desse Algo eternamente transcendente, efémero e simbólico (ou de um gato). Num momento perto do fim, Marley e o dono estão na praia. Estão a dias de mudar para outra cidade, onde o dono vai começar um novo trabalho (presumivelmente uma promoção, para a qual ele não se sente nem preparado, nem motivado, nem qualificado), levando consigo uma mulher algo reticente ("suspiro. Bom, queres mesmo este emprego, não é?") e uns filhos que estão entre o hiperactivo e o desordeiro. Num acto de transferência que faria com que Freud se engasgasse na bebida ou começasse a tossir insistentemente e a bater com a caneta no bloco de notas, o jornalista decide: what the hell. Este cão andou de trela a vida toda, preso enquanto via todos os outros a brincar e a correr. Ele merece um momento de liberdade. E solta o cão. Que, numa sequência mediocremente musicada, corre pela praia, saltita ao redor de outros cães, abana-se freneticamente... e depois, prontamente, caga à beira-mar.
Mais tarde, não se percebe se como consequência directa disto ou não, eles mandam abater o cão. A devota esposa, que foi dona do cão desde antes de ser mãe, fica em casa porque tem mais que fazer. Os miúdos, que têm um pai depressivo, uma mãe passiva-agressiva e vivem numa quinta isolada onde neva durante 9 meses por ano, têm inveja do cão ( e, um dia, virão a entrar pelo liceu adentro com caçadeiras, estou convencida). O homem vai despedir-se do seu fiel amigo e chora compungentemente ao testemunhar esta castração simbólica ritual. Depois escreve um livro que é publicado em toda a galáxia e o leva a ganhar biliões de carcanhol. O fim.

Sabem aquela cena de cinema quando o público não gosta de um filme e começa a atirar pipocas para o ecrã? Pois é. Eu fiquei com vontade atirar Prozac para o ecrã.

E chamam a isto comédia? Por favor. Para a próxima já sei: quando me quiser rir, vou ver o E Tudo o Vento Levou ou uma daquelas sitcoms do Bergman!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Laisse Tomber les Filles (cele-la au moins)


Oh, Lindsay.
Lindsay, Lindsay, Lindsay, Lindsay, Lindsay.
Linds.
*suspiro*
Então não se estava mesmo a ver, rapariga? 
Uma DJ? A sério? Oh filha, isso via-se logo que ia acabar mal. Que a miúda só te ia dar baile. Que tu ias cair naquelas cantigas todas. Que seriam feitos um monte de trocadilhos foleiros - e isto só em português, nem imagino em outras línguas!
Se tens de começar a tua vid lésbica semi-out com um estereótipo gay, porque não uma tenista? Como a Dana, do L Word, que bem que ela ficava com a Alice, lembras-te? Se te lembras, há-des contar-me como é que foi que elas acabaram porque uma amiga gravou-me os DVDs mas havia uma data de episódios que estavam todos pixelizado e passei daquela altura em que a Dana e a Alice estavam a dançar um slow no Planet (e a Kit estava a voltar para a Tina, e a Jenny estava beber lexívia e a Shane estava fazer beicinho e a Helena estava pagar bebidas e sapatos Prada a toda a gente a Kit estava a dizer "Oh, sugar, don't do that, honey, please baby" a alguém, mas isso podia ser qualquer temporada) para aquela altura em que a Dana está a sair de casa da Alice e deixa-a em lágrimas (ooooh!) e entra no carro daquela sonsinha da ex-namorada. Mais um estereótipo gay, não é, Linds? Mas isso estás tu a aprender agora.
Seja como for, uma tenista ao menos tinha o corpinho tonificado. E dava-te bola. Pronto, acabaram-se os trocadilhos.
Linds, Linds, Linds. A tua mamã não te ensinou nada, para além de mostrar mais decote, tomar anfetaminas para conseguires ir à escola e fazer uma data de filmes da Disney e pôr sempre o pezinho para a frente para ficares melhor de perfil nas fotografias porque mesmo sem comer durante dias uma mulher pode sempre ficar a parecer gorda? Esta mãe tão extremosa que está agora a chular a tua maninha para viver desde que tu, sua filha ingrata, deixaste de render? Esta mãe que te passou pérolas como "a partir dos 30 a tua carreira acaba", "o teu pai deixou-nos porque tu és gorda e preguiçosa" e "eu dei-te cama e comida durante 3 anos, agora faz pela vida", não te ensinou a avaliar o carácter das pessoas? Parece mentira.
Minha querida (palmadinha na almofada para sinalizar "anda cá, senta aqui que vou contar-te uma coisa"), é verdade que a Samantha era um achado. Aquilo do cabelo oxigenado era um bocado camião-retro demais, mas a cena dos chapéus (fedoras!) tinha o seu estilo e a miúda tinha um certo charme. E aposto que tinha umas playlists bem boas, e se há uma coisa que as DJs percebem é de ritmo, o que é sempre bom. Mas, linda-fofa, tens de perceber que uma DJ que passa a vida na noite, a ser galada por tudo o que mexe, não é propriamente, digamos, relationship material. Por muito que tu andasses entre a Fshion Week de Nova Iorque e a pré-saison da Riviera para ir fazer de arm-candy enquanto a menina punha música, nunca ias ser o suficiente para ela. Não perceber, Lindsay? Uma DJ está sempre a ouvir a música seguinte e nunca a que está a tocar. 
Bem. Isto foi mesmo zen. Mas o que eu te quero dizer, Linds, é que tu foste a mulher que crashou o site da New Yorker com a tua """homenagem""" à Marilyn Monroe. És uma bad girl. Uma hot girl. Uma, sob muitos aspectos, pita, com a vida toda pela frente. E as pessoas de pele clara e sardas envelhecem super bem. Não precisas disto.
Não precisas de andar a fazer comentários foleiros no Facebook. Não precisas de ir tooodas as noites a casa da Sam tocar à porta e ficar a discutir aos berros até amanhecer, até a gaja arranjar uma ordem judicial que te proíbe de te aproximares dela. Não precisas de ser barrada - a sério, barrada! - de uma festa em que ela está a pôr música. Tu és a Li-Lo! Tu não tens de ser uma bunny boiler.
OK, admito que a faceta de perseguidora psicótica te fica encantadora, mas tens a sorte de quase tudo te ficar bem. Não sei, amor. Fica em casa a ver imensos episódios da Oprah. Ouve Gloria Gaynor, Whitney Houston, Céline Dion, KD Lang (oooh, não, too close!, nada muito butch nos primeiros tempos), The Man That Got Away pela Judy Garland. Vê imenso Sexo e a Cidade e o E Tudo o Vento Levou. Passa a cena final vezes e vezes sem conta até os vizinhos chamarem a polícia porque já não te podem ouvir sussurrar: "But I must think about it, I'll go crazy if I don't". Compra roupa foleira (ok, esse passo parece que já estás a dar).
E, mais importante que tudo: come litros de doces e hidratos de carbono. Sandes de tudo e mais alguma coisa, com muita manteiga, e baldes de gelado. A sério, miúda. Acredita em mim: mais Lindsay é melhor Lindsay.
E (isto perde um bocado em tradução): muita força.
Outra música gira para ouvires, a versão inglesa do título deste post, pela April March: 
www.youtube.com/watch?v=7NDsbEiCxXw