terça-feira, 23 de setembro de 2008

Não é Jeff Koons mas Podia Ser


Não, a sério, isto é que achei estranho: dois pastores da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias a passear por Versalhes! (O outro estava na sala de jogos do Delfim - na sala de jogos do Delfim, por amor da santa!) 













Esta entrada e a anterior tiveram o gentil patrocínio da Dr.ª Tânia Ganho, do Major Júlio Verne e do jovem Lucas. Obrigadas, meus caros!

Habsburg Chic


Por capricho, compulsão ou acaso, tenho várias biografias de Maria Antonieta. A minha favorita, de longe, é o biopic de Sofia Copolla. Não é a biografia mais exacta, claro, mas parece-me que captura perfeitamente o seu espírito; pode não retratar aquilo que de facto foi a rainha dos franceses também conhecida como Madame Déficit, mas retrata perfeitamente aquilo que ela poderia ter sido. Foi também com esse filme que descobri que todo o meu humor, mas absolutamente todo, repousa em um só artifício: o anacronismo. Falem-me de um pirata a usar um telemóvel ou de um centurião romano com um perfil no Facebook e eu rebolo de riso. É um pouco assustador descobrir isso; é um pouco como descobrir que se tem toda a fortuna investida em, digamos, acções. Vive-se num temor permanente do próximo crash
Combinando então o meu amor do anacronismo com o meu fascínio por Maria Antonieta, foi com (inserir aqui emoção quando existir descrição suficientemente ampla para a explicar) que vi recentemente a exposição de Jeff Koons no palácio de Versalhes. Passei os dias que se seguiram imersa no seguinte cenário:
Maria Antonieta: O tio sabe o que é que ficava bem aqui? Uma lagosta gigante de borracha pendurada!
Luís VX: ....
Maria Antonieta: E na sala de recepções, podíamos pôr um cão gigante, como se fosse de um balão dobrado, só que em aço. E cor-de-rosa, talvez.
Luís VX: Era mesmo só o que faltava!
Maria Antonieta: Não era?
Ainda cheguei a tempo de apanhar alguma da reacção adversa à exposição. Nos telejornaiss, claro, porque ao vivo as pessoas raramente refilam. No dia em que fui, pelo menos, os visitantes, na sua maioria latino-americanos e japoneses, por alguma razão, limitavam-se a olhar para as esculturas, como a de Michael Jackson com o macaco Bubbles em porcelana branca e dourada, e a exclamar um bem-educado "ah".  Mas na televisão, os visitantes franceses (que devem ter ido todos noutro dia) peroravam fortemente, com exclamações dignas do Capitão Haddock, contra esta deturpação do seu património. 
O que me levou a pensar acerca do gosto e da sua origem. Gosto de pensar que o snobismo tem um lugar próprio em todos os recantos da vida quotidiana, mas acho-o um pouco deslocado quando se aplica às artes. Se formos honestos, a primeira reacção que quase todos temos quando entramos em contacto com uma nova forma de arte, seja aos 6 ou aos 60 anos, é mais ou menos a mesma que eu estou a ter ao campari e tónica que estou a beber agora: "Blaaagh! sabe a remédio!" 
A reacção da maioria dos seres humanos sensatos ao primeiro concerto, quer seja Bach ou Bártok, é, naturalmente, pensar que o coitado do gato que estão a torturar para fazer aqueles barulhos não deve de ter feito mal a ninguém. Quem vê Shakespeare pela primeira vez pensa que o Will and Grace tem mais piada e que, se quisesse conflitos existenciais, ficava em casa a ver o House. Uma primeira ópera enche-nos de tédio, susto e embaraço em partes quase iguais, deixando-nos com um ligeiro pânico: como não estamos a seguir a história, não fazemos ideia de quando se poderá estar a aproximar do fim (embora tenhamos sempre a sensação de que deveria ter acabado há meia hora pelo menos). E o bailado não passa de uma excruciante experiência de tentar não olhar fixamente para as partes privadas dos artistas que, misteriosamente, não abanam. Depois de caminhar por várias salas de um museu, deixamos de registar aquelas coisas na parede (que inicialmente catalogámos de acordo com quão bem ficariam nas nossas salas, e em que parede) e começamos discretamente a procurar sofás.
Por outro lado, um Jeff Koons, como tantos outros artistas contemporâneos de "choque", é como um bom e velho gin tónico, ou uma cerveja fresquinha. Qualquer pessoa que entre na sala dos embaixadores em Versalhes e veja uma lagosta gigante pendurada do tecto, vai imediatamente ter uma reacção emocional que poderia ser traduzida como "ai que giro". Sentimo-nos divertidos, ainda que ligeiramente inquietos.  Não sabe a remédio e é refrescante. Mas, tal como gin tónico ou a cerveja, que são sobretudo refrescantes, é quando nos levantamos para ir embora que, olhando para os copos vazios na mesa, percebemos que estamos embriagados. E está feito. Ficamos agarrados à arte. Queremos passar a ver mais lagostas em palácios barrocos. E, gosto eu de pensar, daí a apreciar a arte do contraponto, do jogo de perspectiva ou da encenação minimalista, são dois passos. 
E só por curiosidade: estou a insistir no meu Campari Tónico. É verdade que o bebo sobretudo pelo prazer do chique que é pedir uma bebida com este nome (no dia em inventarem uma bebida com "Habsburgo" no nome, vou ficar fã, nem que seja um cocktail de anis e caldo de caranguejo). Mas os gostos também se adquirem, e pode ser que o meu paladar se eduque.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Like That Shit Is So Old, It Was In the Bible


Há muitos anos atrás, eu costumava ser uma pessoa pontual. Na verdade, chegava sempre suficientemente adiantada para tomar um café e fumar um cigarro antes de a outra pessoa chegar. Mas a vida mudou. As pessoas já não usam relógios, usam os telemóveis para ver as horas e avisar que estão atrasadas. Já não se pode fumar enquanto se espera pelas pessoas, a não ser que se espere na rua/ à porta, o que é patético e me faz lembrar demasiadas cenas do Casablanca e depois dou por mim ou a murmurar «play it, Sam! Play "As Time Goes By"» ou a cantar A Marselhesa. Ser pontual, tal como ter as unhas sempre impecáveis, pode ser muito elegante, mas também sugere que se tem demasiado tempo livre, portanto está definitivamente passé.
Há tempos, fui ter com uns amigos (que também não chegaram a horas, apesar de serem super-elegantes) e cheguei atrasada. Tínhamos combinado no Amo-te Chiado, por alguma bizarra e esotérica razão. Entrei ofegante e disse: «Desculpem o atraso, é que fui ao sitio errado! Pensei que era para nos encontrarmos no Não És Tu, Sou Eu, Chiado».
É claro que as horas que se seguiram foram passadas a complementar este reportório, e inaugurámos os seguintes lounge-bars imaginários:
Não Estou Pronto para Uma Relação, Chiado
És a Pessoa Certa na Altura Errada, Chiado
Preciso de Espaço, Chiado
Ia Só Acabar por Te Magoar, Chiado
Conheci Outra Pessoa, Chiado
Sinto-me Sufocado, Chiado
Gosto Muito de Ti Mas Não Te Amo, Chiado
Queremos Coisas Diferentes da Vida, Chiado
Não Sou a Pessoa Certa para Ti, Chiado

Devo admitir que passei muitos anos da minha vida adulta, e parte da minha infância, a desempenhar o papel de As Outras Três Gajas para as Carrie Bradshaws à minha volta, com breves temporadas a desempenhar o papel principal de Carrie e a lacrimejar sobre amigos compreensivos. Contudo, esta tarde no Acho Que Devíamos Ser Amigos, Chiado foi um dos momentos em que estive mais perto de descobrir a verdade acerca dos relacionamentos. E a verdade é que: não estejam à espera de uma grande revelação que se reduza a um epigrama ou a uma anedota memorável, mas se se puser as coisas em perspectiva chega a ter piada.
Tive recentemente uma outra epifania acerca das complexidades do amor ao ler um artigo na New Yorker acerca da nova temporada (sim, é ainda mais patético do que esperar por alguém na rua, é LER acerca de telenovelas, sobretudo acerca de uma que se baseia quase exclusivamente naquilo que os protagonistas usam e na maneira como levantam o sobrolho a cada fala) da minha adorada Gossip Girl em


E esta foi a frase que fez com que tocassem a rebate os sinos da minha cabeça:

«Anyone can say I love you. People who can't say it are just being melodramatic.»

Uma das coisas que aprendemos quando ficamos crescidos (para além do facto de que sim, eles cortam MESMO a luz e a água se nos atrasarmos a pagar) é que as pessoas podem mentir sem ser necessariamente mentirosas. Podem ser desonestas, inconscientes, insensíveis, omissas, evasivas sem chegarem de facto a mentir. Com o tempo, descobrimos inúmeras maneiras de nos representarmos e até de nos vermos, e nenhuma delas é um retrato exacto. Esperar que alguém nos diga A Verdade num relacionamento, qualquer relacionamento, é como ir a um drag show e esperar não ouvir Whitney Houston: possível, mas pouco provável. É sempre mais divertido com um pouco de melodrama. É só não esquecer que é tudo a fingir.