segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Credo!


E achava eu que isto ia mal...
Pelo Natal, um amigo ofereceu-me um perfil no Facebook (sim, sei que é de graça, foi uma piada, a não ser que o meu amigo fosse o Steffano Dolce ou a Miuccia Prada, porque adorava ter um perfil Prada, mas não foi). Estava a dar voltas àquilo e a tentar ver se valia os milhões que a Google pagou pela cena quando vi, na configuração do perfil, que uma das opções para descrever o estado civil é "isto está complicado".
Canta Rufus Wainwright que "a vida é um jogo e o amor verdadeiro é um troféu". Sim, é cínico, é charmoso, é giro de se dizer às duas da manhã a uma criatura wide-eyed que se quer impressionar, mas é só uma canção. 
Há uns tempos atrás, reparei que uma das mensagens pré-definidas da Tmn, a par de "estou já a ir" e "vemo-nos às ... em ..." era - a sério, está lá no site deles! ... estão prontos para isto, oh três leitores fiéis?... Uma das mensagens pré-definidas era... "amo-te".
O amor nem sequer é um troféu, é uma mensagem pré-definida. Sei que há muitas formas de amar; há quem construa um Taj Mahal, há quem vá preso dois anos (referência obscura a Oscar Wilde, se calhar até é mau exemplo porque depois ele ficou todo lixado com o namorado quando foi mesmo preso e amuou para o resto da vida, mas enfim), há quem cante o fado, mas parece-me que carregar em 6 teclas de um telemóvel não é muito. Quando se ama a sério. Digo eu, não sei.
Não quero parecer a Carrie Bradshaw, até porque estou zangada com essas quatro senhoras desde que saiu aquela abominação de filme, mas será que isto está assim tão complicado?
Parece-me que descrever o seu estado civil como "isto está complicado" é como descrever a existência humana como "isto dá trabalho" ou a gravidez como "isto engorda". São relações, caramba! Envolvem outras pessoas, sistemas operativos altamente complexos. Eu já fico com dores de cabeça a tentar perceber como funciona o meu leitor de mp3, quanto mais com uma relação!
E já que incluem essa opção, porque não outros clássicos, como "a minha mulher não me compreende", "o meu namorado nunca ouve o que eu digo", "a minha mãe tinha razão acerca de ti", "estamos a tirar um tempo" ou "gosto dela mas não a amo"? Lá está, se tivessem pensado nisso antes, aposto que tinham conseguido vender o Facebook por mais uns trocos.
Sabem o que é que é complicado? É comer algodão doce com uma mosca. Sim, caso os meus três leitores estivessem a tentar perceber o que é esta foto, é uma mosca que pousou no meu algodão doce. Tive um momento retro há tempos e decidi comer um, o que já não fazia há uns 20 anos. Sabe muito bem, by the way, recomendo vivamente. Uma pequena mosca começou a esvoaçar à volta do dito, aproximou-se demais, como Ícaro do Sol, e ficou lá presa. Se calhar só estava a seguir a irrestível atracção do açucar e queria só provar um bocadinho, mas ficou lá presa, não conseguiu mexer mais as asas, e morreu (acho eu. Não a comi, caso estivessem a pensar nisso).
Esta elaborada metáfora é só para lembrar que o amor, tal como o algodão doce, é por natureza uma situação complicada. Mas regra geral sai-se a ganhar: eu comi o meu algodão doce e a mosca teve a morte mais feliz que um insecto pode desejar. 
E como é Natal (ou vizinhança do mesmo), gostaria de oferecer a todos os três leitores deste blogue uma prendinha: uma nova expressão idiomática. Podem passar a usar "uma mosca no algodão doce" sem pagar direitos de autor. Seguem-se alguns exemplos de uso corrente:
"As hipotecas subprime foram uma boa forma de nivelamento social, mas a mosca no algodão doce foi a crise do mercado imobiliário."
"A festa estava óptima, mas a mosca no algodão doce era que o bar estava sempre cheio."
"Estava tudo a correr bem, mas depois pousou uma mosca no algodão doce: o investidor principal desistiu."
"Meus senhores, temos de encarar os factos. Há uma mosca neste algodão doce, que é a baixa rentabilidade do nosso serviço de vendas directas."
"Ela disse-te isso? Olha, não é por nada, mas cheira-me que esse algodão doce leva mosca."
Espero que gostem. Se não servir, guardei o recibo e dá para trocar. Boas entradas!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Pr'aligeirar


Sim, a vaidade. Toca a todos, como o sol ou a dificuldade em pôr sequer uma patinha de fora do edredão, num dia de frio, para fazer snooze no despertador. Ainda há horas dei por mim parada, estática, à montra de uma loja de manicure (sim, "loja" de manicure, isso existe, e as cutículas, essa parte mínima do corpo, podem ser sujeitas a infindáveis tratamentos. Menos extensões, acho que não se fazem extensões de cutículas. Porque, reparem, por muito relativa que seja a moda, e por muito que blah-blah-blah os homens usavam coisas que eram praticamente saias até ao século XIX e a cintura de vespa era considerada algo bonito, e não uma atracção de circo, há uns meros 50 anos, a verdade é que extensões de cutículas era só nojento; estão a imaginar, unhas cobertas de pele?). Então, estava eu parada à montra de uma loja de manicure, transfigurada por uma embalagem de verniz verde. Verde como o senhor aqui à vossa direita. Seria apropriado que a marca fosse Risquée, mas acho que não, era qualquer coisa como Gauche, De Trop ou Salope de Cinc Centimes. Enquanto as minhas mãos, guiadas por um instinto alheio a mim, se dirigiam para a carteira e sacavam do cartão de crédito, tentei chamar-me de volta à razão, argumentando que, mesmo que eu vivesse 500 anos, e saísse todas as noites, e a cada noite fosse a um local diferente, mesmo assim, num espaço de 500 anos e percorrendo todos os locais do mundo, estatisticamente haveria talvez 0,5 ocasiões em que usar verniz verde-alforreca poderia ser considerado aceitável. Bom, o,75 ocasiões se contarmos com o Santo António e aquilo fazia pandan com um manjerico. Então, bati contra a porta de entrada da loja (que estava fechada), num impulso para comprar o verniz que fazia pandan com um manjerico. A voz da razão, ou um Poder Superior, como diria a Oprah, lembrou-me que fazer pandan com um manjerico não é um traço positivo e, com uma disciplina que faria inveja a um militar da guarda suiça em 1789, vim-me embora. Sem o verniz.
Isto para dizer. Encontrei este artigo na New York:
http://nymag.com/fashion/look/2009/spring/transformations
É mais uma daquelas denúncias casuais, do estilo "oooh como as modelos são esqueléticas e feias e a beleza não passa de maquilhagem e de um jogo de espelhos", que eu normalmente acho bastante irritante. As modelos sem maquilhagem não são nem feias nem bonitas, são gente, como toda a gente. Já agora, não se deve fumar em jejum, melancia verde faz diarreia, e deve levar-se um agasalho ao peito em dias de vento. A sério, nunca ninguém vos ensinou isto? Acho que a próxima geração de mulheres não acredita mesmo nos anúncios de cosmética e, se acabarem com sérios problemas de auto-estima, não será por a Gucci ter escolhido mulheres magras para passar a sua roupa em Milão. Get a life. 
Não, o que me preocupou mesmo, ao ver este artigo, foi o facto de as modelos pré-maquilhagem parecerem prostitutas numa esquina e, pós-maquilhagem, parecerem travestis em palco. Moral da história: um verniz verde-alforreca não é assim tão gritante, em comparação.
Amanhã a ver se ainda lá está.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Nos Campos da Flandres


À 11.ª hora do 11.º dia do 11.º mês: o armistício.

Não podia parecer mais longe de nós, esta guerra para acabar com todas as guerras ("vamos passar o Natal a Berlim", diziam, orgulhosos, os soldados ingleses em 1914). Esta Guerra com G de Grande, que inspirou expressões como "vê lá que foi assim que a Alemanha perdeu a guerra", sempre que alguém se baixa e expõe o traseiro, superstições como a de que fumar a 3 dá azar e uma divertida canção de Brassens:
http://www.dailymotion.com/video/x50pc4_brassens-la-guerre-de-1418_music

O inferno lamacento das trincheiras, a chacina das batalhas de Ypres, do Somme, de Verdun: em 4 anos quebrou-se o espírito da civilização ocidental.


Era só para lembrar.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A Kid With a Funny Name


Hoje no New York Times o Frank Rich escreveu um artigo muito interessante (ao contrário do que faz toooodas as semanas nesse mesmo media, e por isso é que é um dos cronistas mais respeitados dos EUA, duh):

www.nytimes.com/2008/11/09/opinion/09rich.html

Um termo que ele usou fez cair uma data de fichas na minha cabeça: foi quando falou da "abusive relationship" que os EUA tinham com a administração Bush.
Que epifania! É isso mesmo! O mundo ocidental anda há 8 anos a apanhar no focinho. A bater contra as portas. A cair das escadas. A ir parar às urgências com uma data de costelas partidas e a dizer "foi um acidente". A jurar aos amigos que ele normalmente não é assim, que no fundo é muito carinhoso. A apanhar porrada da grossa. E, aparentemente, pelo menos até agora, a gostar de apanhar.
Pode parecer egoísta, mas uma das coisas que me fazia mais impressão a cada sucessivo abuso dos direitos, da dignidade e da verticalidade humanas que foi sendo cometido pela santa trindade Bush-Cheney-Rove era pensar: como é que vou explicar isto aos meus netos? Quando a pequena Lindsay ou o pequeno Rufus me perguntarem: "avó, o que era Guantanamo?", como é que eu conseguiria responder? 
Um pequeno aparte: os meus futuros e potenciais netos nunca me perguntariam isso porque saberiam que qualquer pergunta feita à avó teria como resposta: "não sei, amor, mas já que abriu a boca vá buscar os cigarros da/ fazer um martini à avó". E se acham mal tratar os netos por você, não se preocupem: faz parte da minha teoria de pedagogia tratar as crianças por tu apenas a partir dos 13 anos. É mais barato que um bar mitzvah.
Vltando à batata quente: passámos os últimos 8 anos com sucessivos olhos negros. Guantanamo. O Iraque. A Haliburton e etc. A "execução" de Saddam Hussein filmada em telemóveis. O Patriot Act. Pessoalmente, percebi que tinha chegado o momento em que, aplicando quilos de base com uma mão a estremecer, já não dava para disfarçar mais, quando dei por mim, ao ouvir notícias, a olhar para o lado. A mudar de assunto. Ora, eu fui criada na esquerda. Uma esquerda moderada, com avisos acerca dos excessos do estalinismo e muito Koestler, mas na esquerda. Naquela que acredita em trazer ao de cima o melhor que há no Homem, em respeitar a diversidade, em criar um mundo de igualdade, liberdade e fraternidade (sem ninguém perder a cabeça). Na esquerda que sabe que a revolução come sempre os seus filhos, mas que não vai, por isso, deixar de ensinar um homem a pescar (nem de dar peixes a quem deles precisa). De cada um conforme os seus meios, a cada um conforme as suas necessidades. Algures entre a esquerda-kibbutz e a esquerda-caviar. Como é que eu, uma neta de '68, tinha acabado a desviar o olhar da injustiça flagrante?
O que mais caracteriza uma relação violenta, seja entre pessoas ou entre classes, é o disenfranchisement: a falta de representatividade. Quando quem detém o poder o detém sem justificação nem mandato. E a administração Bush começou sem mandato e foi esticando o disenfranschisement até ao limite. Quando não somos representados, somos necessariamente silenciados. É o equivalente a 8 anos de nos mandarem calar porque não compreendemos o que se passa. 8 anos de tomarem decisões por nós. Um parceiro violento decide o que é que podemos vestir ou dizer, com quem podemos conviver. Os líderes violentos decidem que países invadimos. E nós aceitámos. Porque tínhamos medo, porque o mundo era notavelmente mais perigoso, porque de facto talvez não soubéssemos o que era melhor para nós.
Como tantas relações violentas, esta acabou quando nos apercebemos de um simples facto: yes, I can. A decisão é minha. O poder é meu. O mandato é meu. Aqueles dirigentes são os meus dirigentes. Estão lá pelo meu voto (tant bien que mal). E com outro voto, podem sair de lá.
Nesta metáfora, Barack Obama não é o médico simpático nas urgências, nem o psicólogo compreensivo, nem sequer o melhor amigo que nos oferece abrigo quando lhe batemos à porta. Ele pode ser um simples desconhecido que nos ouve e diz aquilo que sempre soubemos: mas tu podes sair. Tu podes mudar. Podes ter melhor. Ser melhor.
E que mais nobre característica pode ter um verdadeiro líder senão a de trazer ao de cima aquilo que de melhor há em cada pessoa? Sei que nunca nos sentiremos sem mandato com Barack Obama. Porque desde o primeiro dia que ele nos inclui a todos em tudo o que diz, faz e promete: Yes, We Can. Não há um discurso em que ele não enfatize a dificuldade de dar a volta ao país e o trabalho que todos temos pela frente, mas: Yes, We Can. Não há uma palavra que ele pronuncie que tenha uma sombra de exclusão, discriminação ou divisão, mas dirige-se a todos os americanos: Yes, We Can.
E o mundo comove-se e lembra-se que sim, consegue. 
Ele - como lhe chamam, a sério, uma das alcunhas dele é "Ele", já viram isto? - é só alguém que acredita em nós, mas conseguiu devolver-nos a capacidade de acreditarmos também.
Pronto, acabou o tempo de antena, vá! Desculpem o tom panfletário, mas a noblesse dele oblige...

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Maybe this time...




Esta é uma das coisas que a vitória de Barack Obama me faz sentir - e a mais milhões de pessoas:

http://www.youtube.com/watch?v=E3rkLRJ0m0k

It had to happen, happen sometime! Não era?

Dear Mr. Obama


Esta é uma das coisas que o Barack Obama me faz sentir - e a mais milhões de pessoas:

http://www.youtube.com/watch?v=FloYqohi6Xk


Pele de galinha e suspiros de tonta. Ele é o Clark Gable, é um Mac, é um Fiat 500 (novo), é uma ideia do Steve Jobs - e é o 44.º Presidente Eleito dos EUA.
Sim, finalmente chegámos ao outro lado do arco-íris!

sábado, 4 de outubro de 2008

Nem Tanto ao Touro, Nem Tanto ao Urso


Há dias li este artigo no New York Times acerca de um editor lendário (a ver se consigo pôr o link, este blogue anda parvo, deve ter um hedge fund da Goldman Sachs e anda meio avariado). Não sabia que ele era lendário até ler o artigo e ver que tinham feito um documentário sobre ele. Se é sujeito de um doc., pensei logicamente, devia ser lendário. Mas ao que parece o senhor era mais ainda que lendário: era aquela coisa muito admiravelmente americana, um «maverick». Publicou Genet, Henry Miller e D. H. Lawrence. Bons tempos em que se podia ser só um erotómano vagamente misógino para se ter um trabalho interessante e emocionante. Em que não se tinha de passar oito horas por dia à procura do próximo Segredo, Rio das Flores ou Alquimista. Não pensem que estou a dizer isto com a amargura de quem já recebeu dezenas de cartas de rejeição de editores e se considera um génio ignorado; digo isto com a amargura de quem passa dezasseis horas por dia à procura do próximo Segredo, Rio das Flores ou Alquimista. Ou do próximo «ensaio» sobre crianças mortas/raptadas/desaparecidas. Se existisse um um autocolante a dizer «I'd rather be publishing obscure avant-garde», punha-o no meu carro, podem ter a certeza.
Gosto sempre de ouvir estas histórias de projectos cheios de paixão e entusiasmo. Embora, tal como visitar os museus de história judaica, se saiba que vai sempre acabar mal. Estes projectos louváveis raramente acabam com os fundadores a tomar banhos no dinheiro que acumularam numa caixa-forte e a afagarem a sua primeira moedinha (embora haja boatos de que os fundadores do Google, do Facebook e o Steve Jobs façam isso mesmo). O que mais me chamou a atenção neste artigo foi o comentário do maverick em questão, a propos de a editora ter acabado na falência: «We got rid of the money».
É capaz de ser uma das atitudes mais admiráveis que alguma vez vi. Não perdeu, nem esbanjou, nem geriu erradamente o dinheiro: simplesmente livrou-se dele, como quem se livra de cabeças de espargo a mais quando está a fazer um risotto.
Não me entendam mal. Ambos os dois leitores deste blogue sabem que eu não advogo a pobreza franciscana nem escolheria, para mim ou para os meus entes queridos, uma vida de abdicação e despojo, a comer raizes e a calçar birkenstocks. A pobreza em excesso causa morte lenta e dolorosa, e tenho quase a certeza que reduz o fluxo de sangue e causa impotência. Mas agrada-me muito esta ideia  de, mais que despojamento, um saudável alheamento do lado financeiro da vida.
Isto muito a propos da crise nos EUA, que tem sido noticiada por aguns media mais estridentes como «o princípio do fim do capitalismo». Acho que ainda não estamos próximos de reconstruir o muro de Berlim, mas é sempre altura de repensar alguns dos excessos, não do capitalismo enquanto sistema social e económico, mas do mercado livre enquanto influência num dos aspectos menos felizes da personalidade humana: a ganância. 
Há tempos ouvi o Richard Ford, autor de alguns livros que podem, a meu ver, ser considerados a incarnação do great american novel, a ler excertos do seu mais recente, The Lay of the Land. A sua obra tem muito sucesso em França, porque é ponderosa, reflexiva, filosófica, melancólica, escrita com uma atenção quase masoquista à elegância do estilo, e este último, por exemplo, tem 500 páginas e passa-se ao longo de um só fim-de-semana. Trés français, sem dúvida. O Sr. Ford é também um acérrimo opositor da administração Bush. Na apresentação do livro, escolheu ler, entre outros, um excerto que incluía a seguinte passagem:

«Except everyone's entitled to some glimmering sense of right in his (or her) own heart. And part of that sense of right - for real estate agents, anyway - involves not just what something ought to cost (here we're always wrong) but what something can cost in a world still usable by human beings.»

Indeed. 



terça-feira, 23 de setembro de 2008

Não é Jeff Koons mas Podia Ser


Não, a sério, isto é que achei estranho: dois pastores da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias a passear por Versalhes! (O outro estava na sala de jogos do Delfim - na sala de jogos do Delfim, por amor da santa!) 













Esta entrada e a anterior tiveram o gentil patrocínio da Dr.ª Tânia Ganho, do Major Júlio Verne e do jovem Lucas. Obrigadas, meus caros!

Habsburg Chic


Por capricho, compulsão ou acaso, tenho várias biografias de Maria Antonieta. A minha favorita, de longe, é o biopic de Sofia Copolla. Não é a biografia mais exacta, claro, mas parece-me que captura perfeitamente o seu espírito; pode não retratar aquilo que de facto foi a rainha dos franceses também conhecida como Madame Déficit, mas retrata perfeitamente aquilo que ela poderia ter sido. Foi também com esse filme que descobri que todo o meu humor, mas absolutamente todo, repousa em um só artifício: o anacronismo. Falem-me de um pirata a usar um telemóvel ou de um centurião romano com um perfil no Facebook e eu rebolo de riso. É um pouco assustador descobrir isso; é um pouco como descobrir que se tem toda a fortuna investida em, digamos, acções. Vive-se num temor permanente do próximo crash
Combinando então o meu amor do anacronismo com o meu fascínio por Maria Antonieta, foi com (inserir aqui emoção quando existir descrição suficientemente ampla para a explicar) que vi recentemente a exposição de Jeff Koons no palácio de Versalhes. Passei os dias que se seguiram imersa no seguinte cenário:
Maria Antonieta: O tio sabe o que é que ficava bem aqui? Uma lagosta gigante de borracha pendurada!
Luís VX: ....
Maria Antonieta: E na sala de recepções, podíamos pôr um cão gigante, como se fosse de um balão dobrado, só que em aço. E cor-de-rosa, talvez.
Luís VX: Era mesmo só o que faltava!
Maria Antonieta: Não era?
Ainda cheguei a tempo de apanhar alguma da reacção adversa à exposição. Nos telejornaiss, claro, porque ao vivo as pessoas raramente refilam. No dia em que fui, pelo menos, os visitantes, na sua maioria latino-americanos e japoneses, por alguma razão, limitavam-se a olhar para as esculturas, como a de Michael Jackson com o macaco Bubbles em porcelana branca e dourada, e a exclamar um bem-educado "ah".  Mas na televisão, os visitantes franceses (que devem ter ido todos noutro dia) peroravam fortemente, com exclamações dignas do Capitão Haddock, contra esta deturpação do seu património. 
O que me levou a pensar acerca do gosto e da sua origem. Gosto de pensar que o snobismo tem um lugar próprio em todos os recantos da vida quotidiana, mas acho-o um pouco deslocado quando se aplica às artes. Se formos honestos, a primeira reacção que quase todos temos quando entramos em contacto com uma nova forma de arte, seja aos 6 ou aos 60 anos, é mais ou menos a mesma que eu estou a ter ao campari e tónica que estou a beber agora: "Blaaagh! sabe a remédio!" 
A reacção da maioria dos seres humanos sensatos ao primeiro concerto, quer seja Bach ou Bártok, é, naturalmente, pensar que o coitado do gato que estão a torturar para fazer aqueles barulhos não deve de ter feito mal a ninguém. Quem vê Shakespeare pela primeira vez pensa que o Will and Grace tem mais piada e que, se quisesse conflitos existenciais, ficava em casa a ver o House. Uma primeira ópera enche-nos de tédio, susto e embaraço em partes quase iguais, deixando-nos com um ligeiro pânico: como não estamos a seguir a história, não fazemos ideia de quando se poderá estar a aproximar do fim (embora tenhamos sempre a sensação de que deveria ter acabado há meia hora pelo menos). E o bailado não passa de uma excruciante experiência de tentar não olhar fixamente para as partes privadas dos artistas que, misteriosamente, não abanam. Depois de caminhar por várias salas de um museu, deixamos de registar aquelas coisas na parede (que inicialmente catalogámos de acordo com quão bem ficariam nas nossas salas, e em que parede) e começamos discretamente a procurar sofás.
Por outro lado, um Jeff Koons, como tantos outros artistas contemporâneos de "choque", é como um bom e velho gin tónico, ou uma cerveja fresquinha. Qualquer pessoa que entre na sala dos embaixadores em Versalhes e veja uma lagosta gigante pendurada do tecto, vai imediatamente ter uma reacção emocional que poderia ser traduzida como "ai que giro". Sentimo-nos divertidos, ainda que ligeiramente inquietos.  Não sabe a remédio e é refrescante. Mas, tal como gin tónico ou a cerveja, que são sobretudo refrescantes, é quando nos levantamos para ir embora que, olhando para os copos vazios na mesa, percebemos que estamos embriagados. E está feito. Ficamos agarrados à arte. Queremos passar a ver mais lagostas em palácios barrocos. E, gosto eu de pensar, daí a apreciar a arte do contraponto, do jogo de perspectiva ou da encenação minimalista, são dois passos. 
E só por curiosidade: estou a insistir no meu Campari Tónico. É verdade que o bebo sobretudo pelo prazer do chique que é pedir uma bebida com este nome (no dia em inventarem uma bebida com "Habsburgo" no nome, vou ficar fã, nem que seja um cocktail de anis e caldo de caranguejo). Mas os gostos também se adquirem, e pode ser que o meu paladar se eduque.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Like That Shit Is So Old, It Was In the Bible


Há muitos anos atrás, eu costumava ser uma pessoa pontual. Na verdade, chegava sempre suficientemente adiantada para tomar um café e fumar um cigarro antes de a outra pessoa chegar. Mas a vida mudou. As pessoas já não usam relógios, usam os telemóveis para ver as horas e avisar que estão atrasadas. Já não se pode fumar enquanto se espera pelas pessoas, a não ser que se espere na rua/ à porta, o que é patético e me faz lembrar demasiadas cenas do Casablanca e depois dou por mim ou a murmurar «play it, Sam! Play "As Time Goes By"» ou a cantar A Marselhesa. Ser pontual, tal como ter as unhas sempre impecáveis, pode ser muito elegante, mas também sugere que se tem demasiado tempo livre, portanto está definitivamente passé.
Há tempos, fui ter com uns amigos (que também não chegaram a horas, apesar de serem super-elegantes) e cheguei atrasada. Tínhamos combinado no Amo-te Chiado, por alguma bizarra e esotérica razão. Entrei ofegante e disse: «Desculpem o atraso, é que fui ao sitio errado! Pensei que era para nos encontrarmos no Não És Tu, Sou Eu, Chiado».
É claro que as horas que se seguiram foram passadas a complementar este reportório, e inaugurámos os seguintes lounge-bars imaginários:
Não Estou Pronto para Uma Relação, Chiado
És a Pessoa Certa na Altura Errada, Chiado
Preciso de Espaço, Chiado
Ia Só Acabar por Te Magoar, Chiado
Conheci Outra Pessoa, Chiado
Sinto-me Sufocado, Chiado
Gosto Muito de Ti Mas Não Te Amo, Chiado
Queremos Coisas Diferentes da Vida, Chiado
Não Sou a Pessoa Certa para Ti, Chiado

Devo admitir que passei muitos anos da minha vida adulta, e parte da minha infância, a desempenhar o papel de As Outras Três Gajas para as Carrie Bradshaws à minha volta, com breves temporadas a desempenhar o papel principal de Carrie e a lacrimejar sobre amigos compreensivos. Contudo, esta tarde no Acho Que Devíamos Ser Amigos, Chiado foi um dos momentos em que estive mais perto de descobrir a verdade acerca dos relacionamentos. E a verdade é que: não estejam à espera de uma grande revelação que se reduza a um epigrama ou a uma anedota memorável, mas se se puser as coisas em perspectiva chega a ter piada.
Tive recentemente uma outra epifania acerca das complexidades do amor ao ler um artigo na New Yorker acerca da nova temporada (sim, é ainda mais patético do que esperar por alguém na rua, é LER acerca de telenovelas, sobretudo acerca de uma que se baseia quase exclusivamente naquilo que os protagonistas usam e na maneira como levantam o sobrolho a cada fala) da minha adorada Gossip Girl em


E esta foi a frase que fez com que tocassem a rebate os sinos da minha cabeça:

«Anyone can say I love you. People who can't say it are just being melodramatic.»

Uma das coisas que aprendemos quando ficamos crescidos (para além do facto de que sim, eles cortam MESMO a luz e a água se nos atrasarmos a pagar) é que as pessoas podem mentir sem ser necessariamente mentirosas. Podem ser desonestas, inconscientes, insensíveis, omissas, evasivas sem chegarem de facto a mentir. Com o tempo, descobrimos inúmeras maneiras de nos representarmos e até de nos vermos, e nenhuma delas é um retrato exacto. Esperar que alguém nos diga A Verdade num relacionamento, qualquer relacionamento, é como ir a um drag show e esperar não ouvir Whitney Houston: possível, mas pouco provável. É sempre mais divertido com um pouco de melodrama. É só não esquecer que é tudo a fingir.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

My, My, How Can I Resist You?


Peço antecipadamente perdão a ambos os dois leitores deste blogue. Acabo de ver o Mamma Mia, o primeiro filme da história do cinema filmado inteiramente em MDMA e com filtro de anfetaminas. Entrei em casa aos saltinhos, e enquanto fazia o jantar com uma coreografia improvisada ao som de todas as músicas dos Abba de que me conseguia lembrar, ia partindo várias peças de louça. Como um blogue não se parte, pelo menos em teoria, achei que era mais seguro vir escrever até o efeito do filme passar. Mas desculpem desde já qualquer excessivo entusiasmo.
O que é que eu ia a dizer...? ah, a Madonna. Tem a ver com o filme, a sério, já lá chegamos. E não, não é por causa do sampler do "Gimme Gimme Gimme" no "Hung Up".
Porque é que era a Madonna...? Era por causa do... Ah, já sei.
Como não se consegue passear pelas ruas de Lisboa sem ver várias t-shirts de "madonna @ 50", nem ter uma conversa civilizada sem passar pelo tópico de o que se vai estar a fazer no dia 14, nem aceder a qualquer media sem se ser exposto aos músculos das coxas e dos antebraços da rainha da pop, ocorreu-me, há dias, espontaneamente: a Madonna parece velha.
Quando pensei isto, respondi-me imediatamente: bom, velha, velha não diria, desculpe discordar de si, minha cara, mas não diria exactamente velha. Talvez um pouco gasta... talvez o figurino já não jogue tanto a favor dela.  Sim, é verdade que o cabelo parece mais deslavado que spaghetti cozinhado por alemães e as maçãs do rosto estejam mais salientes que os olhos de um cartoon assustado, mas daí a dizer que parece velha...
Concordei comigo mesma: é verdade, aos 50 ninguém é velha. Só mesmo, como diria Helena Rubinstein, uma mulher muito preguiçosa poderia estar "velha" aos 50, nestes dias de pilates e botox. Ora, se a Madonna tem 50, pensámos ambas as interlocutoras deste monólogo, vamos ver um termo de referência... A Rommy Schneider que idade tinha para o fim da carreira? Uns 50 e picos? Sei que a Sofia Loren tem 70 e sem dúvida que, para a maioria dos seres vivos, ainda marchava. A Meryl Streep, por exemplo, que idade terá?
(Tem 59. Obrigada, Google)
E é aqui que entra o Mamma Mia. Não é que fosse preciso ver este filme para saber que a Meryl Streep ainda é eminentemente apetecível, como uma coca-cola geladinha numa manhã de ressaca ou uma maça verde fresquinha depois de um passeio campestre num dia de Verão. Desde Sofia até Miranda Priestley, basta ver qualquer papel que ela fez para perceber que se trata não só de uma mulher "bonita", como, sobretudo, de uma mulher "bonita, caramba!". É uma mulher bonita com ênfase. É bonita a bold e em itálico. Porque é que nunca me tinha ocorrido pensar, por exemplo, que a Meryl Streep fosse velha?
Bom, certamente ajuda o facto de ela não estar na "crista" da moda, na vanguarda de todos os trends. Como disse a Nancy Mitford, uma senhora usa sempre a moda de há dois ou três anos; só as starletts e as criadas é que usam o que usa este ano. E é claro que a atitude também não permite muitas comparações. Quando a Meryl Streep quer provocar síncopes cardíacas, levanta uma sobrancelha ou vira ligeiramente o rosto, enquanto que a Madonna abre as pernas em frente a um espelho, vestida com um maillot rosa choque, ou enfia a língua pela garganta da Britney Spears abaixo. Quando se faz isso, é mais difícil esconder a idade.
Não, não era só uma questão de atitude. Porque é que a Meryl Streep parece mais fresca a fazer um esgar, a baixar os óculos, a ajeitar a écharpe, do que a Madonna até, digamos, na capa da Vogue?
Subitamente ocorreu-nos, a ambas as duas interlocutoras deste monólogo: porque a Madonna parece velha, mas a Meryl Streep, tal como a Sofia Loren ou a Romy Schneider no fim da carreira, é velha. Não me entendam mal. Digo "velha" no mesmo sentido que digo "gorda", por exemplo, ou seja: descartando quaisquer preconceitos sociais de uma cultura dominada pela perfeição física. Sempre defendi que, se "magra" não é um elogio (e não creio que o seja, necessariamente, é só um qualificativo), "gorda" não é um insulto. O mesmo se aplica a "nova/velha". Para efeitos retóricos, concordemos que, por exemplo, a America Ferrara e a Sara Ramirez, com os seus certamente mais de 54 quilinhos (o peso excato delas já não vem no Google...), são "gordas"; assim, aos 59 anos, a Meryl Streep é "velha". Mas alguém no seu juízo perfeito evocaria o facto de ter de se levantar cedo para trabalhar se uma destas senhoras convidasse para "subir e tomar um copo"?
A Madonna parece velha porque tenta parecer outra coisa. A Meryl Streep é velha. Sabe a idade que tem, aceita-a e vive de acordo com isso. Por isso, parece infindavelmente nova e fresca. Só lhe faltam as gotas de orvalho para parecer uma flor em botão.
(Eu avisei. É efeito do filme...)
Isto faz-me lembrar uma resposta que a Dolly Parton deu, quando alguém lhe perguntou se ela se incomodava com anedotas de louras burras: "Não me incomodam, porque sei que não sou burra e sei que não sou loura."
E embrulha!

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

It's just what WOULD Happen


Há dias, estava a arrumar umas coisas antes de sair de casa e tinha a televisão ligada na Oprah. Há quem ouça música de fundo, há quem cante no chuveiro, eu gosto de ouvir a Oprah de fundo. Mas, neste dia, ela tinha um convidado a fazer uma palestra, Aliás, uma lição. Com powerpoint, o que é logo um excelente começo. Enquanto confirmava se tinha as chaves de casa e se o telefone tinha bateria e se a janela estava fechada, ouvi este tipo exultar as vantagens de viver a vida em cheio, em pleno, com um sorriso no rosto e um sol no céu, fazendo limonada quando a vida nos dá limões, e vivendo cada dia como se fosse o último.
Fiz uma pausa quando o ouvi dizer: «Vivam como se fossem morrer amanhã. A sério. Sei do que estou a falar: tenho cancro e estou a morrer.»
O meu karma entrou em saldo negativo quando pensei: «Not fast enough, you're not!»
Numa tentativa de fazer uns depósitos de bom karma na minha conta astral, decidi ouvir mais um pouco. Este tipo chama-se Randy Pausch, é autor do agora best-seller A última lição, está a morrer e decidiu partilhar com o mundo aquilo que aprendeu. 
Por alguma razão, o facto de ele estar a morrer enervou-me mais ainda. Era como se ele estivesse a derivar autoridade do seu iminente esticanço de pernil. Um erro grave de retórica: se não se pode acabar cada frase de um debate com «seu porco nojento» (argumento ad hominem), tão pouco se pode acabar cada frase com «e vê lá que eu tenho cancro e estou quase lá na Terra da Verdade» (argumento ad mortem?). É como uma extensão daquele desconforto politicamente correcto que nos leva a ser excessivamente deferenciais para com os deficientes e ajudar velhinhas e cegos a atravessar a estrada, quer queiram quer não.
Talvez seja uma questão de educação. Fui criada numa família onde dizer lapalisses era mais grave que lamber o prato, ser condescendente era mais grave que tirar macacos do nariz, e raciocínios espúrios eram mais graves que palavrões. 
Quando vi o Sr. Quase-Morte anunciar que tínhamos de decidir se na vida queríamos ser um Tigger ou um Eeyore, ou seja, umas personalidades solarengas e sempre sorridentes ou uns depressivos pessimistas em constante violação da lei da atracção, que percebi que o Banco Central do Karma me ia saldar a dívida.
As lapalisses, como o Sol, são para todos. Cada um pode ser mais pindérico que Píndaro à sua vontade. Mas, caramba: peguem n' O Alquimista! Peguem n'O Princepezinho! Afoguem-se com Kahlil Gibran! Só lhes peço que não usem A. A. Milne para ilustrar filosofia de algibeira.
O Ursinho Puff, como é conhecido cá o imortal Winnie the Pooh, é uma das mais sábias e ricas personagens da literatura ocidental. Peguem num livro de A. A. Milne se não tiverem paciência para ler o cânone da literatura e filosofia ocidentais ou não tiverem tempo para se inscrever em aulas de meditação. O resultado é mais ou menos o mesmo, mas bem mais divertido.
Entre os amigos de Pooh contam-se um tigre hiperactivo e possivelmente cocainómano (Tigger), um intelectual que não sabe escrever (Owl), um coelho arrivista que tem milhares de familiares que tenta desesperadamente esconder (Rabbit) e um delicioso neurótico - Eeyore. É um jerico que vive na parte mais escura da floresta, tem um casebre a cair de podre, come urtigas e domina na perfeição a arte de fazer toda a gente (e animais) sentir-se embaraçada e pouco à-vontade, apenas por exprimir a sua profunda neurose. É uma relíquia dos tempos pré-Prozac, em que ser depressivo era uma competência social e um direito. Eyore é uma espécie de Oscar Wilde passivo-agressivo e é uma lição viva de humor. Estas são algumas das suas pérolas:

The old gray donkey, Eeyore stood by himself in a thistly corner of the Forest, his front feet well apart, his head on one side, and thought about things. 
Sometimes he thought sadly to himself, "Why?" and sometimes he thought, "Wherefore?" and sometimes he thought, "Inasmuch as which?" and sometimes he didn't quite know what he was thinking about.

You don't always want to be miserable on my birthday, do you?

Everybody crowds around so in this Forest.
There's no Space.
I never saw a more spreading lot of animals
in my life, and in all the wrong places.

No Give and Take. No Exchange of Thought. It gets you
nowhere, particularly if the other person's tail is only just in
sight for the second half of the conversation.

After all, what are birthdays? Here today and gone tomorrow.


One can't complain. I have my friends. 
Someone spoke to me only yesterday.

“Why, what's the matter?" "Nothing Pooh Bear, nothing. We can't all, and some of us don't. That's all there is to it" "Can't all what?" said Pooh, rubbing his nose. "Gaiety. Song-and-dance. Here we go round the mulberry bush." "Oh!" said Pooh. He thought for a long time, and then asked, "What mulberry bush is that?" "Bon-hommy," went on Eeyore gloomily. "French word for meaning bonhommy," he explained. "I'm not complaining, but There It Is.

Eeyore, the old grey Donkey, stood by the side of the stream, and looked at himself in the water. "Pathetic," he said. "That's what it is. Pathetic."

Eeyore é uma lembrança viva e jerica da natureza complexa da felicidade. Vivemos numa sociedade que tenta industrializar o bem-estar: temos fórmulas, receitas e instrumentos para sermos felizes e realizados e, como a oferta cria consumo, sentimo-nos na obrigação de os pôr em prática. Há um livro engraçadíssimo a respeito, Against Happiness, de Eric Wilson, que aconselho vivamente. Nele, o autor salienta as virtudes da melancolia como contrapeso à obsessão pela felicidade. 

Vou contrariar um moribundo: não temos de escolher entre ser Tiggers ou Eeyores. Todos temos algo de tigre saltitão e de jerico melancólico. Todas as emoções cumprem uma função, e querer viver numa constante euforia e passar os dias com um sorriso estampado no rosto só resulta numa coisa: dores de cabeça e de músculos faciais. Jeanette Winterson escreveu uma vez que a tristeza é homeopática. É um bom princípio: se arde, lá há-de curar. 
Mesmo que não fique bem em powerpoint.


quinta-feira, 24 de julho de 2008

Romani Ite Domum (as pessoas chamadas romanos entram dentro de casa)


Estão a ver A Vida de Brian?
Estão a ver aquela cena em que a Frente do Povo da Judeia (não a Frente Popular da Judeia) está reunida na casa do velho pedinte a planear um rapto para deitar abaixo o império romano?
Estão a ver quando o Reg (John  Cleese) faz um pequeno discurso a condenar os romanos e a enumerar todas as atrocidades que eles cometeram, e pergunta "e o que é que eles alguma vez fizeram por nós?" e, um a um, os membros da Frente do Povo da Judeia vão dando exemplos de coisas que os romanos fizeram?
Estão a ver como a cena vai fazendo um crescendo cómico até o Reg conclui:

"All right, but apart from the sanitation, the medicine, education, wine, public order, irrigation, roads, a fresh water system, and public health, what have the Romans ever done for us?"

Já viram que, desta lista de benesses adquiridas através da colonização, não se menciona uma única vez A Sandália Romana?

Estão a ver como o Povo da Judeia, que é sempre representado vestido com uma variedade de confecções elaboradas de serrapilheira e com um corte deliberadamente sacodebatatesco, ainda assim tem o bom fashion sense de não considerar a sandália romana uma coisa positiva?

Então, o que é que aconteceu?

Como é que se decidiu recuperar, como acessório, um modelo de calçado que faz pneus nas pernas e só poderia racionalmente ser admirado por adeptos do bondage mais extremo?

Quero exortar os leitores deste blogue (ambos os dois) a fazer o seguinte, em nome do bom gosto e do bom senso: quando virem alguém com sandálias romanas calçadas, puxem-lhes as orelhas, arrastem-nos até ao muro mais próximo e obriguem-nos a escrever, em latim, "não volto a usar sandálias romanas", cem vezes.

Para que aprendam.

sábado, 19 de julho de 2008

The L Girl


Pois não sei, faltam-me as palavras e as lágrimas quase me correm pelo rosto abaixo.
Diz quem não sabe (corre pelos tablóides e pelos blogues) que a Lindsay Lohan tem há meses uma relação com a Samantha Ronson, e que agora a assumiu publicamente.
Há coisas que parecem boas demais para ser verdade, e depois há coisas que são boas demais para serem permitidas pelos deuses. Eu nestas coisas sou muito grega e acho que, quando uma child star virada sex symbol,  que esgotou a New York e quase crashou o site da revista quando fez uma sessão fotográfica com o Ben Stern a recriar a famosa "white session" da Marylin, que é conhecido por levar mais coca que um cargueiro colombiano, que tinha como character references Paris Hilton e Nicole Ritchie, que tinha como manager a mãe (que agora é "manager" da outra filha de 14 anos), que foi despedida por um estúdio por chegar tarde e ressacada às filmagens, que faz como ninguém o olhar trágico da mulher-criança com um passado difícil e uma personalidade conturbada, dizia, quando uma mulher destas recebe um anel de noivado da Cartier de uma mulher que é DJ, a coisa mais cool que se pode ser, filha de um milionário da Yahoo, irmã do Mark Ronson (produtor da Amy Winehouse e da Lilly Allen), e que para além de fazer o beicinho butch melhor do que muitas, ainda vem basicamente da casta mais fixe que há, acho que quando isto acontece, dizia eu, Zeus e Hera e Vénus e Vishnu e Shiva e todos os seus amigo e conhecidos olham para baixo e pensam: mas afinal, são só humanas! Quem lhes disse que podiam ser tão felizes, tão belas e tão cool? Tais coisas só aos deuses são permitidas!
E depois causam um cataclismo qualquer. 
Se não fosse La Lohan; se não fosse uma DJ que usa, por amor dos céus, uma fedora!, como quem está acima das leis que ditam que o retro eighties já estar a chegar ao fim; e se o anel não fosse Cartier, os deuses até eram capazes de fechar os olhos. Mas esta conjugação de coisas perfeitas e deliciosas é quase uma afronta. 
E se um dia isto acabar mal, vou chorar muito, como no fim das novelas, ou como no casamento do Carlos e da Diana.
Mazel-Tov para as meninas!

sexta-feira, 11 de julho de 2008

True Story


Há uns meses atrás, a PEF (Pequena Empresa Familiar) onde eu trabalho foi comprada por uma GMI (Grande Multinacional Importante). Foi uma união feliz e desejada por ambas as partes, um pouco como o casamento da Duquesa do Cadaval com o Príncipe de Orleans: uma coisa bonita que fica bem num spread da Vogue e que, embora inevitavelmente acabe também nas páginas da imprensa cor-de-rosa, faz todo o sentido financeira, genealogica e sentimentalmente. A única falha nesta comparação é que, como todos sabemos, os executivos das GMI são, ao contrário dos aristocratas e monarcas sem trono dos nossos dias, plenipotenciários. Um Orleans ou um Bragança pouco mais pode almejar que trazer visibilidade a algumas boas causas e/ ou acenar à distância num raro casamento real, enquanto que os executivos das GMI vivem em casas palaciais, trabalham em instalações palaciais, compram arte, são mecenas de tudo e mais alguma coisa e, caso desejem, podem mandar executar, das mais diversas e criativas formas, quem bem entenderem. Para além disso, mais ou menos governam o mundo, ao contrário dos AMST (aristocratas e monarcas sem trono). Enfim, plus ça change...
Como em qualquer casamento, nós os da PEF mudámo-nos para a casa da GMI, onde fomos muito bem recebidos e, depois de arrumarmos o enxoval, lá nos dedicámos à vida quotidiana de deveres matrimoniais. Toda a gente me tinha avisado que o ambiente de uma PEF é muito diferente do de uma GMI (sendo o da primeira claramente o preferido). Nas GMIs, disseram-me, as pessoas vivem enterradas em burocracia, a cumprir processos incompreensíveis para fazer funcionar sistemas ultrapassados e ineficientes. Uma vez mais, um pouco como uma monarquia absoluta no seu pior: uma espécie de despotismo iluminado sem terramotos nem Baixas Pombalinas.
Como a mais nova das noivas de Barba-Azul, não vi nada de assustador ou suspeito na minha nova casa. As pessoas eram simpáticas, as instalações óptimas, o sistema parecia funcionar e temos autonomia q.b. 
Como acontece em muitas GMIs (exceptuando aquelas em que os trabalhadores, ups, colaboradores, são ou alimentados a soro para não saírem do local de trabalho, ups, colaboração), a nossa tem não só uma cantina com óptima comida como também, em cada andar, uma pequena copa onde os macrobióticos, os alérgicos a tudo e as inevitáveis fêmeas que se alimentam exclusivamente de batidos diuréticos de Maio a Setembro podem fazer as suas refeições. E foi aí que tive o meu primeiro vislumbre do estranho mundo das GMIs.
Na sexta-feira, fui à copa aquecer a minha refeição macrobiótica e vi uma banana em cima da mesa. Na segunda-feira, fui misturar o meu batido diurético e lá continuava a banana. Na quinta-feira, fui aquecer o meu bacalhau à brás especial para alérgicos a bacalhau e a banana, impávida e serena, permanecia em cima da mesa, talvez um pouco mais sombreada mas ainda apresentável.
Na semana seguinte comi na cantina e foi só na outra segunda-feira que voltei à copa para aquecer um chá. Em cima da mesa vi um objecto oblongo e recurvado de cor violácea escura, e no ar pairava um odor inominável. Mal a reconheci, mas era a minha boa velha amiga banana.
Foi só passados mais uns dias que a estranheza da situação me tingiu em pleno. A banana, como o Corvo de Poe, não se mexera uma polegada, mas, como o Corvo de Poe, estava agora escura como o bréu. Uma banana preta. Mais precisamente, uma banana deixada apodrecer.
Comentei com uma colega da minha PEF que havia uma banana preta, possivelmente podre, na copa. Quando ela me perguntou: "Então e ninguém faz nada?", tenho de admitir que me ocorreu chamar a Associação Protectora de Bananas para castigar o responsável pelo apodrecimento do simpático e outrora fresco e vital fruto. E foi então que percebi: numa GMI, ninguém é responsável por uma banana. Alguém a compra, alguém a traz para a empresa, alguém a deixa de parte e ela apodrece. Mas, se chega a acontecer que alguém repare, ninguém está autorizado a deitá-la fora (ou, pra os mais aventureiros, a comê-la). Ainda não sei se isso é um sistema eficaz ou não, mas é certamente estranho. 
Ah, e eu enchi-me de coragem e deitei fora a banana. Foi difícil, mas era um acto de misericórdia e alguém o tinha de o fazer.
 
 

Quem quer casar c' Carochinha?


Não sei o que me passou pela cabeça quando vi esta foto da... ora bolas, vocês sabem perfeitamente quem é, no excelente blogue da Amy Spiridakis no New York Times

http://themoment.blogs.nytimes.com/author/nytspiridakis

Os pensamentos, ditos espirituosos, farpas infecciosas, retorques maldosos e investidas queirosianas atropelaram-se na minha mente. Por onde começar? Pelos pés e as unhas meio pintadas? Pelo tapete encardido a eles subjacente? Pela relíquia de aspirador usada para o "limpar"? 
Ou, numa abordagem completamente diferente, pelo lenço á la bonne perfeitamente aplicado? Pelo cigarro ao canto da boca? Pelo kohl impecavelmente desenhado, mesmo para os afazeres domésticos?
Ou pelo facto de a senhora estar de pé, tout court?
Seja como for, merece um aplauso, não?
Take a bow, Mrs. Amy Winehouse!

N.B. - Esta não é a foto que está no blogue, a outra é melhor, vão lá ver que vale a pena!

domingo, 6 de julho de 2008

IT'S ALIVE


É VERDADE!
Depois de semanas de ausência, os crocs verde lima voltaram à vida!
E nem foi preciso contratar um assistente chamado Igor para chafurdar por cemitérios à procura de partes; graças a um patrocínio de um proeminente banco lisboeta e ao mecenato de um grande player da finança internacional, os crocs voltam à vida perante os vossos olhos.
Muita coisa se tem passado entretanto. A Hillary saiu da corrida às presidenciais. O Paes do Amaral não comprou uma nova editora. Há um novo cessar fogo no Médio Oriente. O Rufus esteve em Vila Nova de Famalicão (coitado!). 
E o Ver\ao chegou, finalmente. Está na hora de calçar os crocs.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Birthday girl


O único estado democrático (tant bien que mal) do médio oriente. Um oásis (passe o cliché) de cultura e chique. E é mais novo que a Sofia Loren...

Parabéns, Eretz Yisrael!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

As Coisas Como Elas Não São


Vivemos em tempos confusos. O Berlusconi voltou a ser presidente. Os norte-americanos, depois de dois mandatos republicanos desastrosos, uma economia em recessão e uma guerra sem fim à vista, podem decidir por um terceiro mandato republicano, só porque o Hillary e a Obama se picam como duas peixeiras da Madragoa. E o presidente francês casou com um avatar da Françoise Hardy. Nesta era de ambiguidades e meias-verdades, é importante lembrar algumas verdades básicas e incontornáveis sobre as quais podemos construir os fundamentos de uma vida honesta, trabalhadora, e sóbria. Nomeadamente:


1 - Leggings não são calças. Você nunca roubaria uma carteira, um filme ou uma televisão, e é por isso que não faz downloads ilegais. Você nunca usaria um cinto à cintura de umas collants, nem um top justo com calças coleantes (mas se o fizer, pode postar fotos aqui que eu arranjo o espaço... preciso de mais leitores!). Por isso, antes de usar um par de leggings - que são basicamente collants sem pés e mais caras - com seja o que for que não tape o seu derrière e o seu frontière, pense duas vezes. É para o bem de todos.

2 - Os cães não usam roupa. Há dias, a minha cadela, que, tal como a dona, fica de mau feitio antes do café e do primeiro cigarro (mas como ela não fuma nem bebe café, tem sempre mau feitio), foi perseguida por um caniche de camisolinha e calças - juro! - de padrão Burberry cor-de-rosa. Em vez de o atacar e devorar, que seria a coisa mais misericordiosa a fazer, a minha cadela olhou para ele cheia de desgosto e pesar e suspirou. É uma senhora. Reparei que tinhamos passado por um quiosque que vendia roupa para cães. Em pequenos racks, com pequenos cabides. A única roupa que um animal pode usar é a que a natureza lhe deu: meias (no caso dos cães que têm as patas de uma cor diferente do corpo) ou boinas (no caso dos cães que têm uma mancha sobre o olho e a orelha, como uma pequena berette francesa estilo Mary Quant).

3 - As crianças não usam couture. Na verdade, as crianças usam muito pouco: baby-grows, vestidos ou fatos-macaco. E fraldas, convém. Se pertencemos a uma geração que sofreu os tormentos do sapato de verniz que belisca e do vestido de lã que pica, porque não quebrar já a cadeia de violência e abuso? Para quê inflingir a uma nova geração os horrores da «roupa boa»? Antes de comprar uma camisa Burberry, uns sapatos Escada ou um blazer Dior para o seu rebento, pense: será que ele vai a uma reunião de accionistas ou chafurdar numa poça de lama? Há um tempo certo para tudo, na vida. Se o seu filhote usar Chanel aos 5 anos, é bem provável que venha a comer areia e andar de esgorrega aos 50.


Lembre-se disto. Por um amanhã mais seguro.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

A Minha Vida Dava Um Episódio-Piloto


Já todos ouvimos falar de racial profiling. É notório o excesso de zelo dos controladores de passaportes ou lá como se chamam os tipos que decidem quem é que entra num país (vivi muitos anos no espaço Schengen, não sei o que isso é). E um pequeno burocrata com um pouco de poder é mais perigoso que uma depilação brasileira com uma lâmina ferrugenta. Mas esta é a primeira vez que ouço falar de racismo literário ou aquilo a que poderíamos chamar memoriofobia:





Não li o livro, mas pelo que percebi o rapaz drogava-se, dava-se com meninas de má vida e depois foi ele mesmo um menino de má vida. Depois escreveu as suas memória, dando-lhes um encantador tom dandiesco e belle epoque. Parece louvável. Só que, pelos vistos, pode impedí-lo de fazer compras na Saks Fifth Avenue e de comer no Russian Tea Room - e, infelizmente, só uma dessas coisas é que se pode fazer online (passear no Central Park já se pode fazer online)

Este é o mais recente episódio na novela da memoriofobia. Nos últimos anos, os autores de memórias têm sido alvo de ferozes perseguições e estigmatizados socialmente. É certo que isso tem acontecido depois de venderem centenas de milhares de livros, mas ainda assim, é feio.

Augusten Burroughs retrata, em Correr com Tesouras, a sua adolescência, passada com o psiquiatra louco da mãe (a mãe «deu-o» ao psiquiatra, que tinha um certo hábito de adoptar crianças perdidas). É uma espécie de Mogli versão LSD. É claro que o psiquiatra e a família são mais loucos que qualquer louco; toda a gente está sempre encharcada em comprimidos, em relações disfuncionais e em aventuras sexuais predatórias. O livro é tão bom que, comentei com amigos, se lê como um romance. Na verdade, quando o li estranhei aquele «non-fiction» pespegado na contracapa. Depois de o livro vender uns milhões e os direitos para cinema estarem vendidos (belíssimo filme, realizado pelo senhor que nos trouxe Nip/Cut), a família do psiquiatra decidiu processar o autor, dizendo que se sentia difamada. Que, como se diz aqui pelos cafés sobre os jogos da bola, «não foi bem assim». Depois de um settlement de alguns milhões a favor da família, e de um final para o filme tão cor-de-rosa e falso como uma depilação brasileira feita em casa, não ocorreu a ninguém perguntar o óbvio: será que as memórias de um adolescente terão necessariamente de reflectir a verdade objectiva? Não será o valor da memória exactamente o de apresentar um ponto de vista único, efémero, localizado no tempo? Não será que a arte do memorialista consiste precisamente em recapturar essa visão específica de um período da vida?

Mas passou, de uma forma mais ou menos inofensiva, como a alergia à cera numa primeira depilação, e Augusten Burroughs continua a escrever e a vender bem. O próximo na mira, e esta mira foi bem mais pública, foi James Frey. O seu A Million Little Pieces descrevia a experiência de um alcoólico inveterado a desintoxicar-se. Um dos momentos mais marcantes do livro, daqueles que as pessoas contam umas às outras, perguntando «lestes aquela parte?», foi a descrição de uma ida ao dentista para uma desvitalização sem anestesia. Na altura James Frey já estava nos AA e não podia tomar qualquer forma de droga, incluindo novocaína. Desvitalizou o dente a frio para se manter limpo e sóbrio. Uau.

Afinal parece que não. Exagerou. Uma vez mais, não foi bem assim. Testemunhos vários sugeriram que ele tinha exagerado ou embelazdo alguns episódios. O trágico foi que, na altura em que se soube, ele já tinha ido à Oprah, chorado com a Oprah e sido abraçado pela Oprah. A Oprah dá poucos abraços e não gosta de os desperdiçar. Não foi a abraçar mentirosos que a senhora subiu na vida. Quando o gato saiu da mala, como dizem os ingleses, já o livro tinha vendido milhões. Depois de a Sr.ª Winfrey-Steadman ter mandado o James Frey voltar ao programa, admitir publicamente a mentira e pedir desculpa, a editora do livro fez uma coisa inaudita: retirou o livro de circulação e reembolsou os leitores que pediram o dinheiro de volta.

Foi então que eu fiquei preocupada, como quando se está a fazer uma depilação brasileira e se vê que a depiladora está há imenso tempo ao telefone, não faz tenções de desligar e a cera está a ficar picante. Devolver dinheiro aos leitores? Que raio de precedente era este? Com que base legal? Se isto começasse a pegar, iríamos ter as pessoas a devolver Os Maias porque acabava mal, A Sibila porque não se percebe metade, Cem Anos de Solidão porque tem demasiados personagens? Não, a razão era bem mais simples: A Million Little Pieces era uma memória, logo, não ficção. Na não ficção não se embeleza nem se exagera. Por isso o Stephen M. Hawking que tenha cuidado a usar metáforas, porque na não-ficção não há espaço senão para os factos.

O caso de James Frey foi bastante nótório porque o seu livro chegoua um público já abertamenter ávido de sensacionalismo. Isso tornou-se claro quando Frey se justificou dizendo que a editora o tinha pressionado para publicar o livro como memória (ele originalmente tinha pensado em transformar as memórias num romance) porque «vendia mais». O selo da «história verídica» lubrifica as vendas. A reality TV já não convence ninguém, mas aparentemente a reality literature ainda convence. Por alguma razão, os livros pulp dos anos 50, sobre histórias escandalosas de lésbicas, gays, travestis e depilações brasileiras, eram publicados como «histórias verídicas». Já não era o valor literário que estava em questão, mas a intensidade da sensação causada.

Com o misterioso JT Leroy, a história deu uma volta inesperada. Leroy escrevia ficção literária de qualidade. Os seus romances tinham, segundo se publicitava, uma inspiração autobiográfica. Eram sempre sobre adolescentes vítimas de maus tratos, forçados a prostituir-se com camionistas naqueles vilarejos pedidos no meio do nada atravessado por auto-estadas (donde, os camionistas) e tão sexualmente ambíguos que faziam a pantera cor-de-rosa parecer macho (ou fêmea). A sua obra ela elogiada pela crítica e por escritores mais que conceituados, e ia ser o próximo it boy da cena literária. Era tímido, andrógino, pelo que se via das poucas fotos disponíveis, só fazia entrevistas pelo telefone, e até o editor só o tinha visto uma vez.

Isso porque ele era Laura Albert, uma mulher de trinta anos muito, muito perturbada, que tinha inventado a persona de JT Leroy. Foi denunciada pelo namorado, cuja irmã, disfarçada com óculos oversize (que visionária!) e cabeleira loura, «posava» como JT Leroy nas poucas aparições públicas. Foi processada pela empresa que tinha comprado os direitos cinematográficos de um dos romances (o filme ia ser com Asia Argento e não lhes perdoo não terem ido em frente com o projecto!) e o julgamento foi, ao que parece, um interessante debate sobre a verosimilhança e o processo criativo. Guardo duas coisas deste processo: a tristeza que mostrava Laura Albert por todo este fuss - parecia uma criança a quem tinham morto o amigo imaginário, uma criatura tão indefesa e adorável quanto as suas próprias personagens; e o título de um dos seus livro, das coisas mais bonitas que já vi: The Heart Is Deceitful Above All Things.

Enquanto eu me ia preocupando com a possibilidade, que me parecia cada vez mais real, de exumarem Fernando Pessoa e o sentarem no banco dos réus por falta de pagamento de impostos da parte dos seus heterónimos (com o presente estado das coisas, não sei se a inexistência física dá isenção), aconteceu o mais recente caso: Margaret Seltzer, sob o pseudónimo de Margaret B. Jones, escreveu Love and Consequences, memórias da sua adolescência como gang-banger e traficante de droga numa zona perigosa de LA, onde vivia num lar de acolhimento. Desta vez, a revelação nem demorou uma semana, os livros nem chegaram a aquecer as bancas. Margaret Seltzer cresceu com os paizinhos numa zona confortável e burguesa de LA. Se usou bandanas, foi com laço à coelhinho, como boa betinha. A editora fez aquilo que, agora, é da praxe: retirou os livros do mercado.

A propósito de tudo isto, saiu uma charge engraçada no International Herald Tribune:




E lembrei-me de uma cena de O Detective Cantor, em que um psicanalista diz a um autor: «Li o seu livro. Está cheio de pistas.» E o autor responde: «É um livro. Está cheio de páginas.»

Platão dizia que não admitiria poetas na sua república, porque eram fabricantes de mentiras. Por isso há cerca de 8 000 anos que se sabe que os escritores são fingidores, mentirosos, fabricantes, fazedores. As intricâncias legais acerca da catalogaçãodos livros - ficção, não ficção, memória, história, ensaio, depilação brasileira, whatever - não nos devia fazer esquecer que tudo o que é escrito em ozalides, desde os dez mandamentos até ao Sei Lá, contém, como qualquer espelho, elementos de distorção.

Adorava que os juízes de todos estes casos de difamação, fraude e outras acusações absolutamente esticadas contra autores (de livros que o público e a crítica tanto louvavam), pronunciassem uma sentença de: «Get a life. and I don't mean in paperback.»

E depois os queixosos ficavam proibidos de fazer depilações brasileiras no Verão mas, numa exebição de sadismo judicial, eram obrigados a fazê-las no Inverno.


PS - A foto é daquela pessoa que não existe, JT Leroy.

domingo, 23 de março de 2008

quinta-feira, 20 de março de 2008

Trash and Treasure


Às vezes, quando não tenho muito mais que fazer e está demasiado frio para ir à praia ou demasiado calor para não ir, penso na relação entre os EUA e a Europa. O que é nós pensamos deles? O que é que eles pensam de nós? Será que odeiam os franceses? Será que os franceses os odeiam? Porque é que há música da Dulce Pontes a passar em filmes do Richard Gere? Porque é que todas as sitcoms têm pelo menos um personagem inglês que é excêntrico e adorável? Porque é que a Nely Furtado existe (não, a sério, porquê?)? Porquê a história das «liberty fries»? O que se passa? Que estranha relação é esta?

Uma vez, a filha da editora da Vogue francesa estava numa festa em Nova Iorque e alguém lhe disse qualquer coisa a respeito dos sapatos dela. E ela respondeu: «Eu sou europeia, acordo de saltos altos!». Ou seja, por um lado, ser europeu é usar pérolas, maquilhagem invisível, jóias óptimas mas discretas e fumar vogue slims - é ser a Jacqueline Bouvier K.O. É BCBG.

Por outro lado... ver acima. O próprio conceito de eurotrash. Europeia é a Donatella Versace, com as suas péssimas extensões de cabelo descolorado, pele de cabedal e apresentação de, em geral, bradar aos céus.

Por isso resolvi brindar os leitores deste blogue (sim, ambos!) com uma fotografia que tão bem ilustra esta dicotomia: a dotty old dowager Versace ao lado da adorável pequena Gossip Girl, uma discreta charge à Jackie Kenneddy.
Já agora, leiam a entrada a respeito no Go Fug Yourself, que tem piada e rir faz bem à pele:

quarta-feira, 12 de março de 2008

«Já ninguém lá vai, está sempre cheio»


Há tempos vi um anúncio, numa agenda, de um curso. Como estou sempre à procura de aprender coisas novas, como macramé, braille e trivialidades acerca de bairros históricos (sim, perder tempo faz-me sentir viva!), li atentamente. Era um curso de [sic] cooltura. Consistia em seminários de culinária, guionismo e, creio, introdução ao design.

Como qualquer pessoa que foi profundamente incoolta durante grande parte da vida, dei graças aos anjos e santos do cool por haver finalmente um curso de acesso a esta hermética disciplina. No meu tempo de adolescente, ser cool era um exercício de incalcoolável precisão. Era visível que se tinha de usar certos jeans (Uniform, Levis, Chevignon, El Charro), certos sapatos (Portside, All Stars), certos chumaços, certos brincos de aros do tamanho que ia do mediano à sevilhana, um certo esgar, uma certa permanente. Ouvir certa música (Guns n' Roses), ir a certos sítios (Coconuts, Bauhaus). Ok, estou a localizar-me geografica e históricamente, mas percebem o que quero dizer. Mas mesmo que se usase e fizesse tudo isto, havia sempre algo que escapava se não se fosse natural e intrinsecamente cool. Era como se o todo fosse mais do que a soma das partes. O cool foi o meu primeiro exercício mental com a inefabilidade, uma experiência quase mística.

Com este curso, pensei, talvez tivesse descoberto o coolcanhar de Aquiles da gente bonita. Afinal, é tudo tão simples: ser proficiente na criação de boa comida, bom entretenimento e coisas bonitas.

Antes tarde do que nunca, pensei, com um suspiro. Agora, sim, ia poder conviver com os melhores, com as pessoas que conhecem as pessoas que conhecem as pessoas, com os gurus do estar-bem-consigo-mesmo. Nem preciso de acrescentar que, em consequência, viria a ser feliz, completa e realizada. Bastava cozinhar um risotto com queijo de hamster e pardal levemente salteado; escrever um episódio-piloto de uma sitcom sobre um vendedor de seguros que é um arquitecto visionário latente, com grandes planos da skyline de Manhattan sobreposta à Baixa da Banheira; e fazer um candeeiro com lápis Caran d'ache usados até ao boto.

E, subitamente, as perspectivas profissionais também se abriram como um horizonte vasto e infindável. Podia tirar mestrados atrás de mestrados - estudar a cooltura europeia (ir a pubs com uma atitude retro e irónica, a houseparties tão exclusivas que estão vazias, e ouvir música tão underground que ainda nem foi escrita), cooltura judaica (cabala para perder peso, música hassidica de brooklyn em remixes pós-punk e bares fixes em Tel Aviv) ou até antropologia cooltural (fazer biópsias a celebridades em busca do gene do cool; será um gene? uma mutação? um retrovirus?). Podia trabalhar como adida cooltural em embaixadas e definir quais os sítios must em qualquer país com o qual tivessemos relações diplomáticas, ou sugerir países cool com os quais entrar em guerra para invadir e entrar de graça nos melhores sítios. Ou como consultora cooltural em empresas e decidir quem são os executivos in e out («sim, ele é um génio com a fiscalidade, mas ainda usa gravata às riscas!»).

Contudo, tudo isto coolminou com uma estranha associação entre imagens e palavras. Subitamente, veio-me à mente a fotografia que está na abertura deste post: a Becks a entrar num desfile Chanel. E lembrei-me depois de uma entrevista com Mademoiselle, já muito velha, na qual ela passou todo o tempo a tirar um lenço de uma manga e a pôr na outra, com um ar de inigualável desdém, e a perorar acerca dam essência da elegância. A certa altura, comentou que achava a mini-saia abominável, porque mostrava os joelhos, que numa mulher são raramente bonitos. Ver a Becks, vestida numa homenagem à maquilhagem dos anos 80 no seu pior, sob o nome desta senhora, lembrou-me que o melhor que tinha a fazer era fechar a agenda e deixar de ser tão calcoolista. Afinal o cool é como a mini-saia: só mostra as partes de nós que raramente são bonitas.
Ah, o título é uma deixa do Groucho Marx.

sexta-feira, 7 de março de 2008

As Mulheres


O meu filme favorito de todos os tempos, aquele que eu levava para uma ilha deserta (ou para uma ilha ou para um deserto) é The Women, de George Cukor. Foi feito em 1939, escrito por Anita Loos e Clare Booth Luce (uma dupla criativa que só tem rival na dupla «Fome» e «Vontade de Comer»), tem uma passagem de modelos a cores a meio e tem frases como:
«Ele era capaz de partir um côco com os joelhos, se conseguisse fechar as pernas»;


«A primeira pessoa que conseguir explicar como é que um homem pode estar apaixonado por duas mulheres ao mesmo tempo vai ganhar aquele prémio que estão sempre a dar na Suécia!»;


«Há um nome para mulheres como vocês, mas não se usa em alta sociedade... fora de um canil»;


Mãe para a filha: «Confia em mim, filha. Eu já era uma mulher casada antes de tu nasceres».


E oh, tantas, tantas outras! São 133 minutos de bitchiness e diálogos mais bem trabalhados que um diamante da Cartier. E é uma jóia enfeitada com as gemas mais cintilantes: Norma Sherarer é a angélica heroína; Joan Crawford a má da fita; Rosalind Russell a cómica e desastrada sidekick; Paulette Goddard a durona amistosa; e Mary Boland a deliciosa figura de comic relief à décima potência.




Quando soube que ia ser feito um remake, fiquei contente. Não sou nada conservadora nestas coisas; se, como dizia Oscar Wilde, a imitação é a forma mais sincera de elogio, o remake é certamente a forma mais cara, mas ainda asim um elogio. Mas a minha alegria desvaneceu-se quando vi o elenco escolhido para esta versão, a sair em 2008: Meg Ryan em vez de Norma Shearer; Eva Mendes em vez de Joan Crawford; Bette Midler em vez de Mary Boland . Sinceramente, foi como se tivesse ido a um restaurante e pedido um risotto de porcini com azeite trufado e gorgonzola (que exagero!) e me tivessem dito: «não temos, mas posso fazer-lhe um arrozinho de tomate com peixinhos da horta».



Vamos admitir que o cinema contribui, ainda que de forma marginal, para a construção do imagético social de género. Assim sendo, The Women de 1939 era uma afirmação do ideal feminino da sua época, uma espécie de cápsula do tempo que diz às gerações vindouras: «Estas são as mulheres de hoje: educadas, sofisticadas, inteligentes, engraçadas, complexas, profundas. Fabulosas a cada frame.» Feitas as devidas ressalvas e tomando em conta o câmbio do dia do glamour (um cêntimo do glamour de Cukor dava para comprar cem starlets dos nossos dias), o cast de The Women de 2008 é embaraçoso. Não são mulheres, são meninas. Nalguns casos, meninas com grandes implantes nos lugares certos, mas meninas ainda assim. Incapazes de um gesto mais magnífico que o beicinho, de uma expressão mais complexa que o morder o lábio inferior tremelucente. É como se este filme tivesse sido feito 70 anos antes, e não depois,do original. É um premake.



A crescente infantilização da mulher é preocupante. Não estou só a falar de celebridades cada vez mais novas, de mulheres que só pegam num livro se a Oprah mandar, que com idade para terem juízom ainda fazem beicinho ou que gastam metade do salário em sapatos. Nem sequer estou a falar de como o ideal da fada-do-lar se está a insinuar lentamente no seio da nossa cultura. Estou a falar de como passámos deste estado (ver foto acima)


a este








Uma mulher pode vir a ser uma senhora, e uma senhora pode vir a ser tudo; uma menina só pode vir a ser uma gaija (com i de infantil).




B'jinhos, lindas!