sexta-feira, 7 de março de 2008

As Mulheres


O meu filme favorito de todos os tempos, aquele que eu levava para uma ilha deserta (ou para uma ilha ou para um deserto) é The Women, de George Cukor. Foi feito em 1939, escrito por Anita Loos e Clare Booth Luce (uma dupla criativa que só tem rival na dupla «Fome» e «Vontade de Comer»), tem uma passagem de modelos a cores a meio e tem frases como:
«Ele era capaz de partir um côco com os joelhos, se conseguisse fechar as pernas»;


«A primeira pessoa que conseguir explicar como é que um homem pode estar apaixonado por duas mulheres ao mesmo tempo vai ganhar aquele prémio que estão sempre a dar na Suécia!»;


«Há um nome para mulheres como vocês, mas não se usa em alta sociedade... fora de um canil»;


Mãe para a filha: «Confia em mim, filha. Eu já era uma mulher casada antes de tu nasceres».


E oh, tantas, tantas outras! São 133 minutos de bitchiness e diálogos mais bem trabalhados que um diamante da Cartier. E é uma jóia enfeitada com as gemas mais cintilantes: Norma Sherarer é a angélica heroína; Joan Crawford a má da fita; Rosalind Russell a cómica e desastrada sidekick; Paulette Goddard a durona amistosa; e Mary Boland a deliciosa figura de comic relief à décima potência.




Quando soube que ia ser feito um remake, fiquei contente. Não sou nada conservadora nestas coisas; se, como dizia Oscar Wilde, a imitação é a forma mais sincera de elogio, o remake é certamente a forma mais cara, mas ainda asim um elogio. Mas a minha alegria desvaneceu-se quando vi o elenco escolhido para esta versão, a sair em 2008: Meg Ryan em vez de Norma Shearer; Eva Mendes em vez de Joan Crawford; Bette Midler em vez de Mary Boland . Sinceramente, foi como se tivesse ido a um restaurante e pedido um risotto de porcini com azeite trufado e gorgonzola (que exagero!) e me tivessem dito: «não temos, mas posso fazer-lhe um arrozinho de tomate com peixinhos da horta».



Vamos admitir que o cinema contribui, ainda que de forma marginal, para a construção do imagético social de género. Assim sendo, The Women de 1939 era uma afirmação do ideal feminino da sua época, uma espécie de cápsula do tempo que diz às gerações vindouras: «Estas são as mulheres de hoje: educadas, sofisticadas, inteligentes, engraçadas, complexas, profundas. Fabulosas a cada frame.» Feitas as devidas ressalvas e tomando em conta o câmbio do dia do glamour (um cêntimo do glamour de Cukor dava para comprar cem starlets dos nossos dias), o cast de The Women de 2008 é embaraçoso. Não são mulheres, são meninas. Nalguns casos, meninas com grandes implantes nos lugares certos, mas meninas ainda assim. Incapazes de um gesto mais magnífico que o beicinho, de uma expressão mais complexa que o morder o lábio inferior tremelucente. É como se este filme tivesse sido feito 70 anos antes, e não depois,do original. É um premake.



A crescente infantilização da mulher é preocupante. Não estou só a falar de celebridades cada vez mais novas, de mulheres que só pegam num livro se a Oprah mandar, que com idade para terem juízom ainda fazem beicinho ou que gastam metade do salário em sapatos. Nem sequer estou a falar de como o ideal da fada-do-lar se está a insinuar lentamente no seio da nossa cultura. Estou a falar de como passámos deste estado (ver foto acima)


a este








Uma mulher pode vir a ser uma senhora, e uma senhora pode vir a ser tudo; uma menina só pode vir a ser uma gaija (com i de infantil).




B'jinhos, lindas!

Um comentário:

DST disse...

Tem toda a razão. Estas mulheres fazem lembrar uma frase que a avó dizia:
- As meninas sentem-se, que me estão a desarrumar a sala.

Constança Homem Aranha