quarta-feira, 12 de março de 2008

«Já ninguém lá vai, está sempre cheio»


Há tempos vi um anúncio, numa agenda, de um curso. Como estou sempre à procura de aprender coisas novas, como macramé, braille e trivialidades acerca de bairros históricos (sim, perder tempo faz-me sentir viva!), li atentamente. Era um curso de [sic] cooltura. Consistia em seminários de culinária, guionismo e, creio, introdução ao design.

Como qualquer pessoa que foi profundamente incoolta durante grande parte da vida, dei graças aos anjos e santos do cool por haver finalmente um curso de acesso a esta hermética disciplina. No meu tempo de adolescente, ser cool era um exercício de incalcoolável precisão. Era visível que se tinha de usar certos jeans (Uniform, Levis, Chevignon, El Charro), certos sapatos (Portside, All Stars), certos chumaços, certos brincos de aros do tamanho que ia do mediano à sevilhana, um certo esgar, uma certa permanente. Ouvir certa música (Guns n' Roses), ir a certos sítios (Coconuts, Bauhaus). Ok, estou a localizar-me geografica e históricamente, mas percebem o que quero dizer. Mas mesmo que se usase e fizesse tudo isto, havia sempre algo que escapava se não se fosse natural e intrinsecamente cool. Era como se o todo fosse mais do que a soma das partes. O cool foi o meu primeiro exercício mental com a inefabilidade, uma experiência quase mística.

Com este curso, pensei, talvez tivesse descoberto o coolcanhar de Aquiles da gente bonita. Afinal, é tudo tão simples: ser proficiente na criação de boa comida, bom entretenimento e coisas bonitas.

Antes tarde do que nunca, pensei, com um suspiro. Agora, sim, ia poder conviver com os melhores, com as pessoas que conhecem as pessoas que conhecem as pessoas, com os gurus do estar-bem-consigo-mesmo. Nem preciso de acrescentar que, em consequência, viria a ser feliz, completa e realizada. Bastava cozinhar um risotto com queijo de hamster e pardal levemente salteado; escrever um episódio-piloto de uma sitcom sobre um vendedor de seguros que é um arquitecto visionário latente, com grandes planos da skyline de Manhattan sobreposta à Baixa da Banheira; e fazer um candeeiro com lápis Caran d'ache usados até ao boto.

E, subitamente, as perspectivas profissionais também se abriram como um horizonte vasto e infindável. Podia tirar mestrados atrás de mestrados - estudar a cooltura europeia (ir a pubs com uma atitude retro e irónica, a houseparties tão exclusivas que estão vazias, e ouvir música tão underground que ainda nem foi escrita), cooltura judaica (cabala para perder peso, música hassidica de brooklyn em remixes pós-punk e bares fixes em Tel Aviv) ou até antropologia cooltural (fazer biópsias a celebridades em busca do gene do cool; será um gene? uma mutação? um retrovirus?). Podia trabalhar como adida cooltural em embaixadas e definir quais os sítios must em qualquer país com o qual tivessemos relações diplomáticas, ou sugerir países cool com os quais entrar em guerra para invadir e entrar de graça nos melhores sítios. Ou como consultora cooltural em empresas e decidir quem são os executivos in e out («sim, ele é um génio com a fiscalidade, mas ainda usa gravata às riscas!»).

Contudo, tudo isto coolminou com uma estranha associação entre imagens e palavras. Subitamente, veio-me à mente a fotografia que está na abertura deste post: a Becks a entrar num desfile Chanel. E lembrei-me depois de uma entrevista com Mademoiselle, já muito velha, na qual ela passou todo o tempo a tirar um lenço de uma manga e a pôr na outra, com um ar de inigualável desdém, e a perorar acerca dam essência da elegância. A certa altura, comentou que achava a mini-saia abominável, porque mostrava os joelhos, que numa mulher são raramente bonitos. Ver a Becks, vestida numa homenagem à maquilhagem dos anos 80 no seu pior, sob o nome desta senhora, lembrou-me que o melhor que tinha a fazer era fechar a agenda e deixar de ser tão calcoolista. Afinal o cool é como a mini-saia: só mostra as partes de nós que raramente são bonitas.
Ah, o título é uma deixa do Groucho Marx.

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