segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A Kid With a Funny Name


Hoje no New York Times o Frank Rich escreveu um artigo muito interessante (ao contrário do que faz toooodas as semanas nesse mesmo media, e por isso é que é um dos cronistas mais respeitados dos EUA, duh):

www.nytimes.com/2008/11/09/opinion/09rich.html

Um termo que ele usou fez cair uma data de fichas na minha cabeça: foi quando falou da "abusive relationship" que os EUA tinham com a administração Bush.
Que epifania! É isso mesmo! O mundo ocidental anda há 8 anos a apanhar no focinho. A bater contra as portas. A cair das escadas. A ir parar às urgências com uma data de costelas partidas e a dizer "foi um acidente". A jurar aos amigos que ele normalmente não é assim, que no fundo é muito carinhoso. A apanhar porrada da grossa. E, aparentemente, pelo menos até agora, a gostar de apanhar.
Pode parecer egoísta, mas uma das coisas que me fazia mais impressão a cada sucessivo abuso dos direitos, da dignidade e da verticalidade humanas que foi sendo cometido pela santa trindade Bush-Cheney-Rove era pensar: como é que vou explicar isto aos meus netos? Quando a pequena Lindsay ou o pequeno Rufus me perguntarem: "avó, o que era Guantanamo?", como é que eu conseguiria responder? 
Um pequeno aparte: os meus futuros e potenciais netos nunca me perguntariam isso porque saberiam que qualquer pergunta feita à avó teria como resposta: "não sei, amor, mas já que abriu a boca vá buscar os cigarros da/ fazer um martini à avó". E se acham mal tratar os netos por você, não se preocupem: faz parte da minha teoria de pedagogia tratar as crianças por tu apenas a partir dos 13 anos. É mais barato que um bar mitzvah.
Vltando à batata quente: passámos os últimos 8 anos com sucessivos olhos negros. Guantanamo. O Iraque. A Haliburton e etc. A "execução" de Saddam Hussein filmada em telemóveis. O Patriot Act. Pessoalmente, percebi que tinha chegado o momento em que, aplicando quilos de base com uma mão a estremecer, já não dava para disfarçar mais, quando dei por mim, ao ouvir notícias, a olhar para o lado. A mudar de assunto. Ora, eu fui criada na esquerda. Uma esquerda moderada, com avisos acerca dos excessos do estalinismo e muito Koestler, mas na esquerda. Naquela que acredita em trazer ao de cima o melhor que há no Homem, em respeitar a diversidade, em criar um mundo de igualdade, liberdade e fraternidade (sem ninguém perder a cabeça). Na esquerda que sabe que a revolução come sempre os seus filhos, mas que não vai, por isso, deixar de ensinar um homem a pescar (nem de dar peixes a quem deles precisa). De cada um conforme os seus meios, a cada um conforme as suas necessidades. Algures entre a esquerda-kibbutz e a esquerda-caviar. Como é que eu, uma neta de '68, tinha acabado a desviar o olhar da injustiça flagrante?
O que mais caracteriza uma relação violenta, seja entre pessoas ou entre classes, é o disenfranchisement: a falta de representatividade. Quando quem detém o poder o detém sem justificação nem mandato. E a administração Bush começou sem mandato e foi esticando o disenfranschisement até ao limite. Quando não somos representados, somos necessariamente silenciados. É o equivalente a 8 anos de nos mandarem calar porque não compreendemos o que se passa. 8 anos de tomarem decisões por nós. Um parceiro violento decide o que é que podemos vestir ou dizer, com quem podemos conviver. Os líderes violentos decidem que países invadimos. E nós aceitámos. Porque tínhamos medo, porque o mundo era notavelmente mais perigoso, porque de facto talvez não soubéssemos o que era melhor para nós.
Como tantas relações violentas, esta acabou quando nos apercebemos de um simples facto: yes, I can. A decisão é minha. O poder é meu. O mandato é meu. Aqueles dirigentes são os meus dirigentes. Estão lá pelo meu voto (tant bien que mal). E com outro voto, podem sair de lá.
Nesta metáfora, Barack Obama não é o médico simpático nas urgências, nem o psicólogo compreensivo, nem sequer o melhor amigo que nos oferece abrigo quando lhe batemos à porta. Ele pode ser um simples desconhecido que nos ouve e diz aquilo que sempre soubemos: mas tu podes sair. Tu podes mudar. Podes ter melhor. Ser melhor.
E que mais nobre característica pode ter um verdadeiro líder senão a de trazer ao de cima aquilo que de melhor há em cada pessoa? Sei que nunca nos sentiremos sem mandato com Barack Obama. Porque desde o primeiro dia que ele nos inclui a todos em tudo o que diz, faz e promete: Yes, We Can. Não há um discurso em que ele não enfatize a dificuldade de dar a volta ao país e o trabalho que todos temos pela frente, mas: Yes, We Can. Não há uma palavra que ele pronuncie que tenha uma sombra de exclusão, discriminação ou divisão, mas dirige-se a todos os americanos: Yes, We Can.
E o mundo comove-se e lembra-se que sim, consegue. 
Ele - como lhe chamam, a sério, uma das alcunhas dele é "Ele", já viram isto? - é só alguém que acredita em nós, mas conseguiu devolver-nos a capacidade de acreditarmos também.
Pronto, acabou o tempo de antena, vá! Desculpem o tom panfletário, mas a noblesse dele oblige...

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