quarta-feira, 15 de abril de 2009

Para os Lombares


Há duas coisas que eu sempre quis encontrar na vida e que nunca consegui: um bom corte de cabelo e uma boa aula de ginástica. Já lá estive perto, já encontrei cortes e aulas satisfatórios, divertidos, engraçados, mas bons, daqueles que se sabe que é para o resto da vida... não. Isto é, até agora.
A frustração capilar é capaz de se dever a um mero problema de comunicação. Se eu digo a um cabeleireiro, "quero uma coisa assim tipo Meg Ryan", fazem-me um corte à Figo; se digo "um assim do género da Amália", fazem-me um corte à Pauleta; se digo "escadeado, tipo Jennifer Aniston", fazem-me um corte à Beckham (David, não Victoria); e se digo que quero "curtinho, como a mulher do Beckham", fico a parecer o João Pinto. Pode ser alguma dívida kármica que eu tenha com o mundo do futebol, não sei, mas sai sempre um bocadinho ao lado da baliza, o corte de cabelo.
Agora, a ginástica... Acho que encontrei A aula.
Para perceberem bem o sucedido, oh ambos os leitores deste blogue, há que saber algo acerca de mim que é um pouco vergonhoso: eu sou O target publicitário. Eu compro qualquer balde de merda que tenha uma boa estratégia de marketing por trás (incluindo, por exemplo, usar a expressão "balde de merda" mais vezes do que seria necessário só porque aparecia naquela canção giríssima dos Ena Pá sobre um urso de pelúcia). Isso não é nada de mais, dirão ambos os leitores deste blogue. Toda a gente é mais ou menos receptiva às suegstões do marketing, dirá um; pois é, dirá o outro. Mas o meu defeito é apaixonar-me por campanhas de marketing mesmo sabendo que o produto é uma merda. Outro exemplo típico: se eu na altura tivesse disposable income, em vez de só uma semanada, teria gasto tudo em quantidades loucas de WC Pato, só porque amava de morte o anúncio com o patinho. Aliás, não era tanto o anúncio em si ser giro, ou o patinho ser fofo, mas só o facto de haver um PATO num ANÚNCIO. Parecia um admirável mundo novo. Aquilo deliciava-me.
Um efeito mais ou menos semelhante foi surtido (sim, sei que não há passiva deste verbo) quando alguém me disse que o Pilates tinha sido inventado na Alemanha após a Grande Guerra para ajudar à recuperação dos soldados feridos. Céus , o que me foram dizer. Em uns meros cinco segundos, o seguinte filme passou-me pela cabeça:

Karl Wilhelm Philip Heinrich Von Turm und Pilates nasceu em Viena em 1890, oriundo de uma família aristocrática com fortes tradições militares. Os pais eram de um pendor artístico e bastante liberais. Por exemplo, não eram nada anti-semitas, ao ponto de serem considerados, em alguns círculos sociais, uns desmancha-prazeres. Na verdade, o pai de Willi (como era chamado) tinha ficado revoltado com o caso Dreyfuss, e tinha chegado a escrever uma carta de protesto formal ao seu oficial comandante em defesa do Col. Dreyfuss, exigindo que o império Austro-Húngaro anexasse a França, ou pelo menos deixasse de beber vinho francês. A mãe de Willi disse-lhe para deixar de ser parvo e deixar a carta em paz que eles tinham uma recepção às oito e tinham de se vestir e que se despachasse mas era. O pai de Willi disse que estava bem, mas que então ia chamar Alfred ao próximo filho que tivessem (Fred, o irmão mais novo de Willi, que veio a ser um notório artista de cabaret com o nom de guerre "Mathilde").
Willi foi educado nas melhores academias militares (vão ao google ou ao wikipedia ver quais eram que eu não estou para tanto) e, quando estalou a Grande Guerra, foi dos primeiros a pôr os pés na Flandres. Motivava-o o mais puro e refinado sentido de dever (convém lembrar que o Dever era o MDMA do início do século) e uma vaga sensação de que alguém, de preferência alguém de inclinações imperiais, que soubesse tocar bem piano e tivesse lido Goethe e Kant de trás para a frente, pusesse "ordem neste chavascal" que era a Europa. É claro que o inferno das trincheiras transformou este jovem idealista numa sombra do que outrora fora. Ao testemunhar a humanidade no seu pior e mais vil, percebeu quão determinantes eram as condições materiais na formação do espírito, deu razão a Hegel em geral e a Schoppenhauer em particular, e fez de tudo, incluindo coisas que nunca se adequariam a qualquer formulação do imperativo categórico, para sobreviver e voltar a casa - a Viena, esse bastião da cultura e da civilização. Uns meses antes do armistício, o seu regimento foi bombardeado com gás mostarda na terra-de-ninguém. Willi e outro oficial foram os únicos sobreviventes.
No hospital, disseram-lhe que os efeitos daquele gás ainda não eram totalmente conhecidos e que se preparasse para não voltar a ter a mesma vida activa de antes. Nunca poderia voltar a andar de cavalo a trote nem a jogar gamão de forma entusiastica. Mas, pelo menos, estava são; o outro oficial do regimento passaria o resto da vida num asilo de loucos.
Regressou a Viena poucas semanas após o armistício e não reconheceu o mundo que o esperava e pelo qual tinha lutado. A cidade parecia-lhe repleta de sombras violentas que vagueavam pelas ruas sem destino. Willi passava os dias no quartel, a ler, evitando os outros oficias. Por vezes, ia com alguns amigos civis correr os cabarets e as tabernas da cidade. Uma vez, já muito bebido, caiu numa sarjeta e não se conseguia levantar. Pareceu-lhe que nunca tinha saído das malditas trincheiras.
Antes da guerra, tinha estado noivo de uma rapariga encantadora: Clara, uma rapariga de uma família da alta burguesia, bastante endinheirada, cujo espírito era em absoluto o de um artista. Como a sua homónima, tocava e compunha para piano, amava o bailado e o teatro, e acreditava que só através da expressão artística o espírito humano podia aspirar ascender aos planos mais elevados. Willi amava Clara de todo o coração, mas tinha deixado de lhe escrever pouco tempo após o início da guerra. Agora, justificava o seu afastamento da mulher amada dizendo que não a queria prender a um compromisso com um homem desfeito; a verdadeira razão, contudo, era outra. Willi não conseguia admitir a Clara que tinha deixado de acreditar que o espírito humano se pudesse elevar a um plano superiores - apenas era capaz de decaír a níveis cada vez mais baixos de bestialidade. As trincheiras, para ele, tinham destruído a possibilidade da arte.
Mas, como um pequeno Werther sartreiano, não conseguia obrigar-se a terminar formalmente o seu noivado. E Clara também nunca o tinha voltado a contactar. A família, que se mantinha em contacto com a dela, insinuava-lhe por vezes que ela estava pacientemente à espera dele. 
Um dia, o silêncio formal rompeu-se: Willi recebeu um convite para o baile de aniversário de casamento dos pais de Clara. Pareceu-lhe uma ironia da mais cruel: um baile? Ele, um deficiente, um doente pulmonar, que mal era capaz de subir um lance de escadas sem tossir como um tuberculoso, num baile cheio de jovens a vibrar de vitalidade e força? Talvez a ver Clara a dançar com um deles -- o novo noivo, o marido?
Nessa noite, Willi foi ver uma actuação do irmão. Mathilde queria falar com ele e pediu-lhe que fosse ao seu camarim depois do espectáculo. Num cubículo na cave, cheio de boas e sapatos Schiaparelli, Mathilde ralhou-lhe como só um irmão sabe: que não o compreendia, que se sentia orfã de irmão, que não o queria ver a desistir da vida, quando tantos jovens austríacos tinham morrido naquele lamaçal do inferno e ele, ele podia ainda caminhar por Viena de braço dado com a sua amada. Bastava querer. "Sabs, mein scahtz, ", disse, passando-lhe a mão pelo cabelo, "não é tão difícil como parece. É só deixar acontecer".
Mathilde saiu para receber uns admiradores e Willi ficou sentado no camarim, cabisbaixo, com um corpete elástico de Mathilde na mão. Suspirou. Fechou os olhos. Respirou fundo. Sentiu o ar a encher-lhe os pulmões feridos. Era como se fosse a primeira vez que respirava fundo desde 1914. Extasiado, esticou o corpete com ambas as mãos e expirou. Sentia-se renascido.
Nos dias seguintes, recuperou uns apontamentos de anatomia e física que tinha do liceu e mergulhou na leitura, uma vez mais. Improvisou exercícios com alguns elásticos e pesos rudimentares. Sentia-se vivo e cheio de energia.
Passadas algumas semanas, os pais de Clara celebravam o seu aniversário de casamento com um baile. Clara estava ao seu lado a receber os convidados, à porta. Lentamente, um vulto aproximou-se, de longe. Era um oficial. Subiu as escadas pausadamente, degrau a degrau, e chegou ao topo da longa escadaria sem arquejar, com uma respiração perfeita e fluída. Clara caminhou suavamente até ele e disse:
"Willi. Eu sabia que vinhas"

Estão a ver? Se calhar não foi nada assim, mas só a ideia...

Seja como for, são uns exercícios muito fixes e sabe maravilhas.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Vigília Pascal


O Buda ensinou que as posses humanas são efémeras.

Sim, mas as necessidades humanas são, para além de efémeras, ridículas.

Sei que há uma piada latente nesta imagem, mas não consigo chegar até ela. Sugiram, oh ambos os leitores deste blogue!