Por capricho, compulsão ou acaso, tenho várias biografias de Maria Antonieta. A minha favorita, de longe, é o
biopic de Sofia Copolla. Não é a biografia mais exacta, claro, mas parece-me que captura perfeitamente o seu espírito; pode não retratar aquilo que de facto
foi a rainha dos franceses também conhecida como Madame Déficit, mas retrata perfeitamente aquilo que ela
poderia ter sido. Foi também com esse filme que descobri que todo o meu humor, mas absolutamente todo, repousa em um só artifício: o anacronismo. Falem-me de um pirata a usar um telemóvel ou de um centurião romano com um perfil no Facebook e eu rebolo de riso. É um pouco assustador descobrir isso; é um pouco como descobrir que se tem toda a fortuna investida em, digamos, acções. Vive-se num temor permanente do próximo
crash.
Combinando então o meu amor do anacronismo com o meu fascínio por Maria Antonieta, foi com (inserir aqui emoção quando existir descrição suficientemente ampla para a explicar) que vi recentemente a exposição de Jeff Koons no palácio de Versalhes. Passei os dias que se seguiram imersa no seguinte cenário:
Maria Antonieta: O tio sabe o que é que ficava bem aqui? Uma lagosta gigante de borracha pendurada!
Luís VX: ....
Maria Antonieta: E na sala de recepções, podíamos pôr um cão gigante, como se fosse de um balão dobrado, só que em aço. E cor-de-rosa, talvez.
Luís VX: Era mesmo só o que faltava!
Maria Antonieta: Não era?
Ainda cheguei a tempo de apanhar alguma da reacção adversa à exposição. Nos telejornaiss, claro, porque ao vivo as pessoas raramente refilam. No dia em que fui, pelo menos, os visitantes, na sua maioria latino-americanos e japoneses, por alguma razão, limitavam-se a olhar para as esculturas, como a de Michael Jackson com o macaco Bubbles em porcelana branca e dourada, e a exclamar um bem-educado "ah". Mas na televisão, os visitantes franceses (que devem ter ido todos noutro dia) peroravam fortemente, com exclamações dignas do Capitão Haddock, contra esta deturpação do seu património.
O que me levou a pensar acerca do gosto e da sua origem. Gosto de pensar que o snobismo tem um lugar próprio em todos os recantos da vida quotidiana, mas acho-o um pouco deslocado quando se aplica às artes. Se formos honestos, a primeira reacção que quase todos temos quando entramos em contacto com uma nova forma de arte, seja aos 6 ou aos 60 anos, é mais ou menos a mesma que eu estou a ter ao campari e tónica que estou a beber agora: "Blaaagh! sabe a remédio!"
A reacção da maioria dos seres humanos sensatos ao primeiro concerto, quer seja Bach ou Bártok, é, naturalmente, pensar que o coitado do gato que estão a torturar para fazer aqueles barulhos não deve de ter feito mal a ninguém. Quem vê Shakespeare pela primeira vez pensa que o Will and Grace tem mais piada e que, se quisesse conflitos existenciais, ficava em casa a ver o House. Uma primeira ópera enche-nos de tédio, susto e embaraço em partes quase iguais, deixando-nos com um ligeiro pânico: como não estamos a seguir a história, não fazemos ideia de quando se poderá estar a aproximar do fim (embora tenhamos sempre a sensação de que deveria ter acabado há meia hora pelo menos). E o bailado não passa de uma excruciante experiência de tentar não olhar fixamente para as partes privadas dos artistas que, misteriosamente, não abanam. Depois de caminhar por várias salas de um museu, deixamos de registar aquelas coisas na parede (que inicialmente catalogámos de acordo com quão bem ficariam nas nossas salas, e em que parede) e começamos discretamente a procurar sofás.
Por outro lado, um Jeff Koons, como tantos outros artistas contemporâneos de "choque", é como um bom e velho gin tónico, ou uma cerveja fresquinha. Qualquer pessoa que entre na sala dos embaixadores em Versalhes e veja uma lagosta gigante pendurada do tecto, vai imediatamente ter uma reacção emocional que poderia ser traduzida como "ai que giro". Sentimo-nos divertidos, ainda que ligeiramente inquietos. Não sabe a remédio e é refrescante. Mas, tal como gin tónico ou a cerveja, que são sobretudo refrescantes, é quando nos levantamos para ir embora que, olhando para os copos vazios na mesa, percebemos que estamos embriagados. E está feito. Ficamos agarrados à arte. Queremos passar a ver mais lagostas em palácios barrocos. E, gosto eu de pensar, daí a apreciar a arte do contraponto, do jogo de perspectiva ou da encenação minimalista, são dois passos.
E só por curiosidade: estou a insistir no meu Campari Tónico. É verdade que o bebo sobretudo pelo prazer do chique que é pedir uma bebida com este nome (no dia em inventarem uma bebida com "Habsburgo" no nome, vou ficar fã, nem que seja um cocktail de anis e caldo de caranguejo). Mas os gostos também se adquirem, e pode ser que o meu paladar se eduque.