domingo, 16 de dezembro de 2007

Making Christmas


O mundo divide-se em dois grandes grupos: o das pessoas que dividem o mundo em grandes grupos e o das pessoas que têm mais juizinho.

Outros dois grandes grupos em que o mundo se divide são: o das pessoas que adoram o Natal e o das pessoas que odeiam o Natal.

Como devem imaginar, em ambos os casos sou membro irredutível do primeiro grupo.

Para já, porque todas as pessoas que conheço que odeiam o Natal caem numa das seguintes categorias:

1 - acabaram de passar por uma separação dolorosa e odeiam não só o Natal, como a Primavera, o Verão, o Halloween, as festas de bar aberto, as festas em geral, a noite em geral, o dia, o trabalho, o carro, a casa, a roupa toda que têm e, até ver, tudo menos bebidas brancas e amigos pacientes;

2 - estão só a tentar chegar a casa mas moram ou trabalham ao pé de um centro comercial;

3 - estão só a tentar ir tomar café mas moram ou trabalham na Baixa;

4 - perderam toda a família num incêndio trágico no Natal (isto só acontece em telenovelas ou filmes de Natal, claro, mas convém que conste);

5 - o filho morreu crucificado aos 33 anos e fazia anos no dia 25;

6 - são más, más como vilãos de cartoon: roubam doces a orfãos, atam latas às caudas dos gatinhos, colaboram com regimes totalitários e fumam.

Concedo aos cínicos do Natal, aos pequenos Ebenezers e Grinches da vida, que ser cínico é sempre mais divertido. Quando toda a gente está suar as estopionhas, com um sorriso palerma estampado no rosto, a empreender coisas - seja decorar uma árvore de Natal, rechear um perú, construir uma caravela ou redigir uma Constituição Democrtática, é muito mais giro ficar sentade num confortável canapé, com um cocktail numa mão e um cigarro na outra, a olhar melancolicamente pela janela e a lançar, entre um suspiro e uma baforada de fumo, um «para quê?» carregado de nonchalance e ennui. A nonchalance e o ennui são os derradeiros acessórios, porque ficam bem com qualquer cor e conferem imediatamente uma aura de magnificência perdida a quem os usa.

Tendo dito isto, tenho de acrescentar que os anti-natalistas me fazem muita impressão. Admiro o cinismo em geral, mas o verdadeiro cínico nunca se rebaixa ao ponto de bater no ceguinho. E, meus caros, odiar o Natal é verdadeiramente uma instância de violento espancamento de um invisual.

Diz-se: «O Natal está muito comercial». Como se o Natal fosse os Beatles, os Nirvana ou o Dylan quando começou a tocar guitarra eléctrica. Cita-se o exemplo do Pai Natal ser uma invenção da Coca-Cola e da árvore de Natal ser um instrumento de propaganda vitoriana. E eu que pensava que vivíamos numa cultura assente na busca da realização espiritual. Quer dizer que a sociedade ocidental não é um ermitário de carmelitas? Somos movidos por - horror! - interesses comerciais?

Diz-se: «O Natal é um stresse». Bom, por acaso até concordo. Nem o marquês de Sade conseguiria descrever o acto de passar 2 dias e, por vezes, 3 refeições em família (alargada e nuclear) como «um prazer». Mas sempre é mais agradável que um casamento, um baptizado ou um funeral. As estações de televisão não fazem programação especial para casamentos, baptizados e funerais (pelo menos para aqueles a que eu costumo ir).

Diz-se: «O Natal é deprimente». É verdade que o número de suicídios sobe em flecha no Natal. É verdade que nos leva a ponderar os anos que passaram. É verdade que é uma prova viva do desaparecimento da magia da infância - um pouco como encontrar o capuchinho vermelho num clube de strip (por acaso acho que isso até se consegue arranjar, só não seria O capuchinho vermelho) ou o Peter Pan a cair de bêbedo no no Lugar às Novas. Mas se lamentamos a perda da magia e da inocência é porque,de alguma forma, ainda acreditamos nelas. Não são tão elegantes como o ennui e a nonchalance, são mais como umas luvas velhas de lã cheias de borbotos. Mas são confortáveis e ajudam a passar o frio.

E que mais se pode pedir?

Feliz Natal a todos.



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