domingo, 23 de março de 2008

quinta-feira, 20 de março de 2008

Trash and Treasure


Às vezes, quando não tenho muito mais que fazer e está demasiado frio para ir à praia ou demasiado calor para não ir, penso na relação entre os EUA e a Europa. O que é nós pensamos deles? O que é que eles pensam de nós? Será que odeiam os franceses? Será que os franceses os odeiam? Porque é que há música da Dulce Pontes a passar em filmes do Richard Gere? Porque é que todas as sitcoms têm pelo menos um personagem inglês que é excêntrico e adorável? Porque é que a Nely Furtado existe (não, a sério, porquê?)? Porquê a história das «liberty fries»? O que se passa? Que estranha relação é esta?

Uma vez, a filha da editora da Vogue francesa estava numa festa em Nova Iorque e alguém lhe disse qualquer coisa a respeito dos sapatos dela. E ela respondeu: «Eu sou europeia, acordo de saltos altos!». Ou seja, por um lado, ser europeu é usar pérolas, maquilhagem invisível, jóias óptimas mas discretas e fumar vogue slims - é ser a Jacqueline Bouvier K.O. É BCBG.

Por outro lado... ver acima. O próprio conceito de eurotrash. Europeia é a Donatella Versace, com as suas péssimas extensões de cabelo descolorado, pele de cabedal e apresentação de, em geral, bradar aos céus.

Por isso resolvi brindar os leitores deste blogue (sim, ambos!) com uma fotografia que tão bem ilustra esta dicotomia: a dotty old dowager Versace ao lado da adorável pequena Gossip Girl, uma discreta charge à Jackie Kenneddy.
Já agora, leiam a entrada a respeito no Go Fug Yourself, que tem piada e rir faz bem à pele:

quarta-feira, 12 de março de 2008

«Já ninguém lá vai, está sempre cheio»


Há tempos vi um anúncio, numa agenda, de um curso. Como estou sempre à procura de aprender coisas novas, como macramé, braille e trivialidades acerca de bairros históricos (sim, perder tempo faz-me sentir viva!), li atentamente. Era um curso de [sic] cooltura. Consistia em seminários de culinária, guionismo e, creio, introdução ao design.

Como qualquer pessoa que foi profundamente incoolta durante grande parte da vida, dei graças aos anjos e santos do cool por haver finalmente um curso de acesso a esta hermética disciplina. No meu tempo de adolescente, ser cool era um exercício de incalcoolável precisão. Era visível que se tinha de usar certos jeans (Uniform, Levis, Chevignon, El Charro), certos sapatos (Portside, All Stars), certos chumaços, certos brincos de aros do tamanho que ia do mediano à sevilhana, um certo esgar, uma certa permanente. Ouvir certa música (Guns n' Roses), ir a certos sítios (Coconuts, Bauhaus). Ok, estou a localizar-me geografica e históricamente, mas percebem o que quero dizer. Mas mesmo que se usase e fizesse tudo isto, havia sempre algo que escapava se não se fosse natural e intrinsecamente cool. Era como se o todo fosse mais do que a soma das partes. O cool foi o meu primeiro exercício mental com a inefabilidade, uma experiência quase mística.

Com este curso, pensei, talvez tivesse descoberto o coolcanhar de Aquiles da gente bonita. Afinal, é tudo tão simples: ser proficiente na criação de boa comida, bom entretenimento e coisas bonitas.

Antes tarde do que nunca, pensei, com um suspiro. Agora, sim, ia poder conviver com os melhores, com as pessoas que conhecem as pessoas que conhecem as pessoas, com os gurus do estar-bem-consigo-mesmo. Nem preciso de acrescentar que, em consequência, viria a ser feliz, completa e realizada. Bastava cozinhar um risotto com queijo de hamster e pardal levemente salteado; escrever um episódio-piloto de uma sitcom sobre um vendedor de seguros que é um arquitecto visionário latente, com grandes planos da skyline de Manhattan sobreposta à Baixa da Banheira; e fazer um candeeiro com lápis Caran d'ache usados até ao boto.

E, subitamente, as perspectivas profissionais também se abriram como um horizonte vasto e infindável. Podia tirar mestrados atrás de mestrados - estudar a cooltura europeia (ir a pubs com uma atitude retro e irónica, a houseparties tão exclusivas que estão vazias, e ouvir música tão underground que ainda nem foi escrita), cooltura judaica (cabala para perder peso, música hassidica de brooklyn em remixes pós-punk e bares fixes em Tel Aviv) ou até antropologia cooltural (fazer biópsias a celebridades em busca do gene do cool; será um gene? uma mutação? um retrovirus?). Podia trabalhar como adida cooltural em embaixadas e definir quais os sítios must em qualquer país com o qual tivessemos relações diplomáticas, ou sugerir países cool com os quais entrar em guerra para invadir e entrar de graça nos melhores sítios. Ou como consultora cooltural em empresas e decidir quem são os executivos in e out («sim, ele é um génio com a fiscalidade, mas ainda usa gravata às riscas!»).

Contudo, tudo isto coolminou com uma estranha associação entre imagens e palavras. Subitamente, veio-me à mente a fotografia que está na abertura deste post: a Becks a entrar num desfile Chanel. E lembrei-me depois de uma entrevista com Mademoiselle, já muito velha, na qual ela passou todo o tempo a tirar um lenço de uma manga e a pôr na outra, com um ar de inigualável desdém, e a perorar acerca dam essência da elegância. A certa altura, comentou que achava a mini-saia abominável, porque mostrava os joelhos, que numa mulher são raramente bonitos. Ver a Becks, vestida numa homenagem à maquilhagem dos anos 80 no seu pior, sob o nome desta senhora, lembrou-me que o melhor que tinha a fazer era fechar a agenda e deixar de ser tão calcoolista. Afinal o cool é como a mini-saia: só mostra as partes de nós que raramente são bonitas.
Ah, o título é uma deixa do Groucho Marx.

sexta-feira, 7 de março de 2008

As Mulheres


O meu filme favorito de todos os tempos, aquele que eu levava para uma ilha deserta (ou para uma ilha ou para um deserto) é The Women, de George Cukor. Foi feito em 1939, escrito por Anita Loos e Clare Booth Luce (uma dupla criativa que só tem rival na dupla «Fome» e «Vontade de Comer»), tem uma passagem de modelos a cores a meio e tem frases como:
«Ele era capaz de partir um côco com os joelhos, se conseguisse fechar as pernas»;


«A primeira pessoa que conseguir explicar como é que um homem pode estar apaixonado por duas mulheres ao mesmo tempo vai ganhar aquele prémio que estão sempre a dar na Suécia!»;


«Há um nome para mulheres como vocês, mas não se usa em alta sociedade... fora de um canil»;


Mãe para a filha: «Confia em mim, filha. Eu já era uma mulher casada antes de tu nasceres».


E oh, tantas, tantas outras! São 133 minutos de bitchiness e diálogos mais bem trabalhados que um diamante da Cartier. E é uma jóia enfeitada com as gemas mais cintilantes: Norma Sherarer é a angélica heroína; Joan Crawford a má da fita; Rosalind Russell a cómica e desastrada sidekick; Paulette Goddard a durona amistosa; e Mary Boland a deliciosa figura de comic relief à décima potência.




Quando soube que ia ser feito um remake, fiquei contente. Não sou nada conservadora nestas coisas; se, como dizia Oscar Wilde, a imitação é a forma mais sincera de elogio, o remake é certamente a forma mais cara, mas ainda asim um elogio. Mas a minha alegria desvaneceu-se quando vi o elenco escolhido para esta versão, a sair em 2008: Meg Ryan em vez de Norma Shearer; Eva Mendes em vez de Joan Crawford; Bette Midler em vez de Mary Boland . Sinceramente, foi como se tivesse ido a um restaurante e pedido um risotto de porcini com azeite trufado e gorgonzola (que exagero!) e me tivessem dito: «não temos, mas posso fazer-lhe um arrozinho de tomate com peixinhos da horta».



Vamos admitir que o cinema contribui, ainda que de forma marginal, para a construção do imagético social de género. Assim sendo, The Women de 1939 era uma afirmação do ideal feminino da sua época, uma espécie de cápsula do tempo que diz às gerações vindouras: «Estas são as mulheres de hoje: educadas, sofisticadas, inteligentes, engraçadas, complexas, profundas. Fabulosas a cada frame.» Feitas as devidas ressalvas e tomando em conta o câmbio do dia do glamour (um cêntimo do glamour de Cukor dava para comprar cem starlets dos nossos dias), o cast de The Women de 2008 é embaraçoso. Não são mulheres, são meninas. Nalguns casos, meninas com grandes implantes nos lugares certos, mas meninas ainda assim. Incapazes de um gesto mais magnífico que o beicinho, de uma expressão mais complexa que o morder o lábio inferior tremelucente. É como se este filme tivesse sido feito 70 anos antes, e não depois,do original. É um premake.



A crescente infantilização da mulher é preocupante. Não estou só a falar de celebridades cada vez mais novas, de mulheres que só pegam num livro se a Oprah mandar, que com idade para terem juízom ainda fazem beicinho ou que gastam metade do salário em sapatos. Nem sequer estou a falar de como o ideal da fada-do-lar se está a insinuar lentamente no seio da nossa cultura. Estou a falar de como passámos deste estado (ver foto acima)


a este








Uma mulher pode vir a ser uma senhora, e uma senhora pode vir a ser tudo; uma menina só pode vir a ser uma gaija (com i de infantil).




B'jinhos, lindas!