quinta-feira, 30 de julho de 2009

Tive Dois Anos para Deixar Crescer Garras, Mãe: Encarnado-Selva!




Eu fí-lo, finalmente fí-lo! Que se lixe a modéstia e a discrição que se vá pôr num porco: pintei as unhas de encarnado! E não é um encarnado qualquer - um encarnado maçã-da-Bela-Adormecida, encarnado-Capuchinho-Vermelho, encarnado-ressaca-anos-80!


Não é que eu seja uma pessoa muito dada ao recato e ao pastel em geral. Antes pelo contrário. Desde que comecei a pintar as unhas (uma aventura recente) que me tenho deleitado com cores como o rosa-choque, o verde-pinheiro, o azul-elétrico, e o amarelo-Calipo já está na wish-list. Mas o encarnado era uma ponte longe demais. Porquê?


A explicação é simples e previsível: um trauma de infância. Quando eu e as minhas primas tinhamos aquela idade em que usavamos ganchos com brilhantes, ouvíamos Ministars (não se riam, seus bandalhos, vocês também ouviam!) e eramos capazes de nos vestir inteiramente de uma só cor (incluindo leggins de Inverno, aqueles de lã mais densos e grossos que um pudim, usados com botas - botins!), aquela idade mágica e quase proustiana em que o pandan nunca é demais e glitter nunca enjoa -- nessa idade, dizia, eu e as minhas primas tinhamos verniz. Não lembro como nem porquê, mas lembro-me que quase todas as crianças portuguesas da minha idade tinham acesso a coisas que hoje seriam consideradas inapropriadas ou até mesmo tóxicas, como tintas para os cabelos (das bonecas), vernizes e perfumes e batons (para nós, feitos clarmente de plástico radiocativo), pulseiras que pelavam e gomas de cores que indicavam claramente que estavamos a comer corante com açucar.


Sentadas à mesa da cozinha, eu e as minhas primas estavamos cuidadosamente a aplicar a 20ª camada de verniz quando a minha Tia Alice gritou, para choque e consternação de todas: «Mas vocês estão parvas? Que pirosas, parecem umas sopeiras! Já a tirar isso».


Ficamos demasiado atordoadas para sequer pensar em nos queixarmos. Na altura, embora isso fosse falado pelos crescidos da família e proximidades afectivas, não sabíamos que:

a) A Tia Alice se auto-medicava.

b) A Tia Alice bebia.

c) a) e b) concidiam frequentemente.

d) Uma mulher de quarenta anos que prefira estar com crianças quando há adultos por perto não é de confiança para muitas coisas, incluindo conselhos de moda.

e)Uma mulher adulta que tire algum prazer em questionar o fashion sense de crianças de 8 anos pode apresentar perturbações psiquiátricas.

f)A Tia Alice era uma cabra.


Alguns dos comentários de a) a f) foram expandidos e reiterados pelas nossas mães e amigas, quando nos viram a entrar na sala, mudas que nem ratos e de mãos vermelhas de tanto esfregar (e já não encarnadas de tanto verniz). Ainda nos tentaram convencer a não ser parvas e não ligar (porque é que as crianças passam a vida a ser admoestadas para não serem parvas? São crianças, não são ministros nem CEOs, podem ser parvas à vontade!), mas a verdade é que, nos 25 anos que se seguiram, continuei a não ser capaz de pintar as unhas de encarnado - embora tenha feito muitas outras coisas pindéricas e sopeirentas.


Mas hoje, aha!, acabou-se a tirania mental! Tome lá esta, Tia Alice, misture no seu martini e embrulhe!


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