Quase todos os blogues falam de coisas muito pessoais e, para este não ser excepção, vou falar também de uma parte muito privada do meu corpo: as amígdalas.
As minhas amígdalas são as derradeiras armas de destruição em massa. Já se tornaram resistentes a toda a espécie de remédio, desde spray de amoníaco ao famoso xarope de cenoura como faziam as nossas mamãs. Pouco a pouco, elas estão a descodificar todos os antibióticos existentes à face do planeta e a tornar-se - sem exagero - omnipotentes. Entre os meus delírios de febre de amigdalite, com dores de ouvido que tornam certos actos de Van Gogh perfeitamente compreensíveis, decidi exterminá-las. Primeiro pensei em invadí-las, instituir um governo provisional e usar o aumento de terrorismo civil combinado com tropas mal preparadas para dar cabo delas. Mas depois de a febre baixar, pensei antes em ir a um otorrino, marcar uma operação, arrancá-las (bom, mandar arrancá-las) e fazer uns pendentes com elas, depois de as banhar em prata (ou ouro branco, ainda estou a ponderar). E presto: uma semana de baixa a comer gelados e gaspacho - e adeus ás dores excruciantes e à garganta de sapo.
Partilho isto aqui não porque me dê prazer falar de doenças - embora compreenda e empatize com essa compulsão de velhinha utente da caixa - mas porque Elas decidiram fazer uma última incursão. As minhas amígdalas são uma mutação do HAL, o computador do 2001, Odisseia no Espaço: assim que me sentiram entrar no gabinete do otorrino, disseram: «What are you doing, Dave?» e passaram ao ataque violento. Eis que, dois dias antes do Natal, começaram a inflamar-se e a ameaçar dias, senão mesmo semanas, de dor, desconforto e incapacidade de fumar.
Mas desta vez declarei uma guerra sem tréguas a este terror doméstico do meu corpo. Liguei ao otorrino e pedi-lhe o antibiótico mais forte que ele tivesse. Ele, simpaticamente, acedeu ao meu pedido. O que eu não sabia era que o antibiótico era também, nos seus tempos livres, uma espécie de Xanax para elefantes. Estão a ver aqueles elefantes muito ansiosos, neuróticos até, que vivem de farra, bebem só bebidas brancas e tomam só drogas brancas, vão a todas as afters possíveis, chegam a casa às 5 da tarde com outros elefantes que engataram numa festa, têm sexo voraz com eles, mandam-nos para casa sem pedir o número de telefone e depois precisam de alguma coisa para adormecer até ser horas de abrir a pista? Esses elefantes tomam o mesmo antibiótico que eu.
Por outro lado, a minha amígdalite não é razão para o mundo deixar de celebrar o nascimento de um judeu numa mangedoura. Altura em que o chocolate abunda, em todas as suas gloriosas formas e feitios, e é imoral, talvez até ilegal, não consumir a maior quantidade possível. Para além dos costumeiros bombons, trufas e chocolates em forma de marisco (quem teve essa brilhante ideia, já agora?), estive a devorar uns destes que estão na fotografia: chamam-se macaroons e são a coisa mais barroca, suave e saborosa que se pode fazer com chocolate, excepção feita aos possíveis usos libidinosos do chocolate espalhado pelo corpo, mas não é disso que estamos a falar. Para mim, a par dos Manolos e da Kirsten Dunst, os macaroons foram as estrelas do filme Marie Antoinette, da Sofia Coppola, por isso, já que os outros dois não me são acessíveis, comer uma caixa de macaroons é um prazer incomparável.
Um pedaço de trivia, para vosso entretenimento: o chocolate tem a mesma composição química que a marijuana.
Um Natal passado sob efeito de antibióticos e chocolate é uma experiência que recomendo vivamente. É uma espécie de lobotomia provisória - e às vezes sabe bem dar descanso ao velho lobo frontal, não é?
Boas entradas.